3 de julho de 2009

Vai um cafézinho aí?

Senhores, boa noite.

Sendo o café minha segunda bebida não-alcoólica favorita, está oficialmente confirmado que eu sou um cafeinômano. Nada mais natural, uma vez que minha graduação foi em engenharia. Todos os que se formaram em cursos que exigem que a pessoa vire noites para entregar trabalhos todo santo semestre acabam adictos de cafeína em maior ou menor grau.

Digressões à parte, vamos ao que interessa, que é o único e verdadeiro amor de nossas vidas, O CAFÉ. Comecemos com um pouco de história: segundo reza a lenda, a planta (Coffea arabica) foi descoberta na Etiópia no século III d.C. por Kaldi, um pastor de cabras. Uma noite, preocupado em saber por que cargas d’água suas cabras não voltavam para o redil como de costume, foi atrás delas e encontrou-as enchendo as fuças de frutos de cafeeiro, avançando de moita em moita rumo à primeira overdose de cafeína da história.

Agora vocês perguntam: e o que fez nosso herói? Pois fez o que lhe mereceu este título. Seguindo o adágio “Se os animais comem, eu também posso comer”, colheu um punhado daqueles frutos, mandou pra dentro e logo começou a dançar de alegria junto com seu querido rebanho. Feliz como só fica quem tomou um bom porre de expresso, no dia seguinte (imagino que nem tenha dormido, fritando com a overdose) foi ao mosteiro mais próximo e mostrou esse presente dos céus aos monges que, provavelmente preocupados com a cara de “virado” de nosso melhor amigo, decretaram que boa coisa esta planta não poderia ser.

Pois bem, herói que é herói manda bem até quando manda mal. Desacorçoado com a declaração dos monges, disse que os frutos eram “obra do demônio” e tacou fogo neles. Nascia ali a torra! Seduzidos pelo aroma irresistível do melhor amigo do estudante, os monges sugeriram que se moessem os grãos ali torrados e se experimentasse qual seria o sabor da infusão feita com este pó. Daí pra frente, foi só alegria! Da Etiópia, os grãos se espalham pela África, especialmente pela África árabe, de onde chegam à Europa entre o final do século XVI e o início do XVII, com os holandeses plantando os primeiros cafezais não africanos em nível de exportação na ilha de Java (de onde os estadunidenses chamam a bebida de Java até hoje).

Agora, mais uma curiosidade histórica: as primeiras barrinhas de energia da história da humanidade eram de café, elaboradas na África sob a forma de bolinhas compostas de gordura animal e frutos de cafeeiro, na mesma época em que nosso herói dançava com as cabras. E não pára por aí: também é de lá e da mesma época a primeira bebida energética: vinho de frutos de cafeeiro! Mesmo feito com os frutos inteiros (polpa inclusive), dá para imaginar que whisky com energético nem chega perto da qualidade da receita original. Gostaria realmente de saber por que é que ainda não atinaram com reeditar estas delícias para o mercado capitalista globalizado. Quem é que há de querer saber de Red Bull quando existir vinho de frutos de cafeeiro?

Quanto à expansão do Coffea pelo mundo, reza a lenda que a devemos a um contrabandista indiano. Como bons negociantes, os árabes mantinham para si o monopólio do produto exportando apenas grãos fervidos ou tostados e, portanto, mortos. Não era possível plantá-los e passar a produzi-los por conta própria a partir de uma remessa importada para consumo. Mas eis que o peregrino-contrabandista Baba Budan, de retorno de sua peregrinação a Meca, traz algumas sementes vivas/férteis debaixo de uma cinta de pano (um feito muito mais nobre do que levar dólares na cueca, diga-se de passagem!).

Voltando à história oficial, a rápida expansão do café pelo mundo colonial se deveu em grande parte ao excesso de confiança dos holandeses, que distribuíram mudas de cafeeiro de presente para aristocratas ao redor do mundo, espalhando, assim, o nosso pretinho gostoso pelo mundo (eu escrevi isso? cazzo, preciso de um expresso... digitar de madrugada só poderia dar nisso...).

E agora para um pouco de ciência. Coffea arabica é o nosso querido / amado / idolatrado / salve!salve! café arábica, a variedade a partir da qual se obtém todos os cafés gourmet: Bahia e Bourbon Santos (nacionais), Supremo (Colômbia), Java e Sumatra (Indonésia), Altura e Pluma Coixtepec (México) e tantos outros. Já o nosso cafezinho do dia a dia é feito a partir da espécie Coffea canephora, também conhecido como Robusta ou Conillon. A bebida feita a partir do robusta é menos saborosa, mas é mais rica em cafeína.

É interessante notar como mais uma vez somos vítimas da “maldição do produtor de commodities”: virtualmente toda a nossa produção de arábica vai para o mercado de exportação, sobrando apenas parte da produção de robusta e os refugos da produção de arábica para o mercado nacional. E isso por que somos o maior produtor mundial do grão, deixando todos os outros produtores no chinelo em termos quantitativos e perdendo em qualidade (na linha de cafés gourmet) apenas para a produção colombiana.

De qualquer forma, exceção feita às poucas marcas de café gourmet encontradas no mercado e a importação e reimportação de produtos de alta qualidade por parte de algumas casas especializadas, o café que encontramos à nossa disposição em território nacional é de qualidade marcadamente inferior, sendo as melhores marcas feitas com uma mistura de grãos de qualidade inferior de diversas variedades de robusta/conillon, enquanto que as piores nos fazem passar por desgostos que variam da adição de cevada e chicória torradas à presença de gravetos, insetos e coisas piores.

Desta forma, ou arcamos com o custo de um café gourmet, ou nossa única proteção contra uma falta de qualidade que atinge as raias da insalubridade é a aquisição de produtos certificados (sic) pela Associação Brasileira da Indústria de Café – ABIC.

Claro que isso é em relação aos cafés comercializados sob a forma “torrado e moído”, mas se você tiver bala na agulha para comprar um pequeno moinho, o mundo dos cafés em grão abre suas portas e você escapa automaticamente da cevada, da chicória e dos gravetos, além de poder aproveitar o máximo de aroma e sabor, uma vez que estas características do café começam lentamente e gradualmente a se degradar a partir do instante da moagem.
Além disso, a oferta de cafés gourmet na forma “em grão” é mais extensa que na forma “torrada e moída”, e a maioria das máquinas de expresso vêm com moinho já associado ou com a opção de aquisição de um moinho produzido pela mesma empresa que produziu a máquina.

Falando em máquinas de expresso, vamos às diversas formas de preparar a bebida, a partir da obtenção do pó (seja por moagem, seja adquirindo o produto já moído – no último caso, dê preferência às embalagens a vácuo, que preservam as características do produto por mais tempo). Vou elencá-las por ordem de concentração máxima da bebida obtida, das mais para as menos concentradas (gosto é gosto, mas para mim quanto mais concentrado melhor).

O expresso de máquina: a máquina de expresso joga vapor de água a alta pressão sobre o pó, extraindo o máximo de princípios ativos, óleos essenciais e outros componentes organolépticos (responsáveis por aroma, sabor e outras propriedades que tornam uma boa xícara de café uma experiência tão rica quanto uma taça de bom vinho). A bebida obtida tem sua concentração controlada pelo barista (http://www.acbb.com.br/) que pilota a máquina, podendo variar desde um espresso ristretto (metade de uma xícara regulamentar de café, máxima concentração de sabor, mínimo de cafeína) até um cafezinho mineiro/carioca (mínima concentração de sabor, máxima extração de cafeína). Quanto mais concentrada a xícara preparada na máquina, mais espesso o creme ou “colarinho” que flutua sobre a bebida. Um bom expresso deve ter creme rico e encorpado, de cor caramelo.

A “moka”: essa cafeteira de origem italiana é a segunda melhor forma de fazer café, para aqueles que apreciam uma xícara do legítimo “espresso”. O vapor é forçado igualmente a passar através do pó, mas por suas características de construção isso se dá à pressão atmosférica e a uma temperatura pouca coisa superior à da ebulição da água ao ar livre, com menor extração de óleos essenciais e outros compostos do pó. Desta forma, exceto em alguns modelos modificados que contam com um pequeno peso como o das tampas de panelas de pressão, não há formação de creme.

O coador ou cafeteira: forma mais comum de preparo, produz o popular cafezinho, cuja concentração depende apenas da proporção de pó para água que se use. Embora o coador de papel seja muito mais prático, o melhor sabor é obtido com o coador de pano. 
ATENÇÃO: um coador de pano nunca deve ser usado novo/“virgem”. Antes do primeiro uso, deve-se passar um primeiro café “perdido” (não será bebido) por ele, e o pó usado deverá dormir dentro desse coador de um dia para o outro. Em seguida, o coador será apenas enxaguado com água corrente em abundância.

Nota: NUNCA lave um coador de pano com água e sabão. Apenas enxágüe com bastante água e seque bem, deixando secar à sombra. Conforme o uso, o tecido se impregna de óleos essenciais e outras substâncias do café, resultando sempre em uma bebida melhor a cada passada.

Além disso, quando preparar a bebida em coador, é importante não ferver a água, que deverá estar àquela temperatura em que começam a surgir algumas bolhas de vapor maiores no fundo da panela/bule/leiteira antes de se adicionar o pó e desligar o fogo. É importante prestar atenção neste detalhe, pois deixar a mistura ferver ou permitir que a água abra fervura violenta antes de misturar o pó, no preparo em coador, faz com que a bebida oxide em contato com o oxigênio do ar, dando ao café o que os especialistas chamam de gosto de “queimado”. Mistura-se completamente o pó à água para garantia de uma boa infusão, até que se forme um creme sobre a superfície da água. Em seguida, derrama-se a mistura dentro do coador.

Para encerrar esta postagem, duas receitas. Uma, do melhor drink que já inventaram nessa vida, o Irish Coffee; a outra, uma mousse.

Irish Coffee:
Ingredientes

  • Uma dose de whisky irlandês (25 ml)
  • Dois expressos longos
  • Uma colher de sopa bem cheia de açúcar mascavo
  • Creme de leite fresco integral (para fazer creme batido, por que chantilly de lata NÃO PRESTA)
  • Açúcar a gosto

Preparo

  • Prepare o creme batido, batendo o creme fresco com açúcar a gosto até ficar tão próximo quanto você conseguir de chantilly (ou seja, bata enquanto você tiver paciência para bater – ajuda muito usar um batedor especial desses para bater claras em neve);
  • Esquente a sua taça ou xícara com água quente;
  • Dissolva o açúcar no whisky;
  • Adicione o café quente, deixando espaço para acomodar cerca de 1cm de altura de creme batido;
  • Verta o creme sobre as costas de uma colher apoiada na borda da taça ou xícara, para que o creme flutue sobre a bebida sem afundar.

Se minha explicação não ficou legal, clique no link e assista o vídeo (em inglês, sorry): http://www.youtube.com/watch?v=1Vfde8rCO-w&feature=related.

Mousse de café:
Ingredientes

  •  4 folhas de gelatina branca
  •  3 gemas
  •  2 colheres (sopa) de café
  •  1 xícara de leite
  •  1 lata de leite condensado
  •  3 claras em neve
  •  Chantily e cerejas para decorar 

Modo de preparo

  • Prepare a gelatina conforme as instruções da embalagem;
  • Desmanche as gemas e o café no leite e reserve;
  • Misture bem a gelatina com o leite;
  • Leve ao fogo em banho-maria para dissolver completamente e deixe esfriar;
  • Quando esfriar, junte o leite condensado e as claras em neve, coloque em taças e decore.

Bom apetite, e boa insônia!

Fontes bibliográficas:

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