19 de julho de 2009

Como cuidar de um resGATINHO

Senhores, bom dia.

O post de hoje é para aqueles que, a exemplo deste tantã que vos escreve, pega gatos de rua para criar, "arribar" e encaminhar para adoção junto a outros gateiros que tenham espaço em seus lares para mais alguns filhotes felinos mas não tenham a disposição necessária para fazer o serviço de PS e emergência.

Vamos falar de despulgamento, vermifugação, alimentação de filhotes muito novos (fórmula neonatal felina), brinquedinhos, padrões de comportamento de filhotes novos, aclimatação à casa e mais uma penca de coisas.

Por que quando a gente pega um gatinho na rua, ele certamente vem com pulgas e quase que certamente está com alguma dor de barriga. Então o primeiro passo é a dupla dinâmica despulgamento e vermifugação.

Primeiro pelo mais importante, que é o que NÃO fazer. Não se despulga um gato com coleira ou talco anti-pulgas. Esses métodos só podem ser usados em cães, pois o pulguicida contido nestas formulações é tóxico para os felinos.

Gatos a gente despulga com solução líquida de pulguicida. Adultos são despulgados com soluções líquidas comercializadas em doses individuais (pipetas plásticas em forma de guitarra elétrica): você aplica uma pipeta dessas na nuca de cada gato. Filhotes são despulgados com soluções líquidas comercializadas sob a forma de spray, para que se aplique doses menores, mais adequadas ao tamanho do resGATINHO: abra o frasco e aplique a solução com um algodão embebido, pois o barulho do acionamento do spray estressa excessivamente o animal.

E não use despulgantes por via oral, o efeito deles é temporário e de curtíssima duração. Só devem ser empregados em caso de infestação extremamente grave, como primeira medida de combate, a ser seguida pelo tratamento padrão descrito acima.

Quanto à vermifugação, a única opção é o uso de vermífugos sob a forma de comprimidos. As formulações mais comuns são usadas à razão de 1/4 de comprimido por kilograma de peso do animal, mas é bom consultar a bula. Segure o animal com firmeza e introduza o comprimido (ou fração) no fundo da garganta do gato em um único movimento, depois segure sua boca fechada e massageie suavemente a garganta para facilitar o engolimento. O movimento deve ser firme porém suave. De preferência, da primeira vez leve seu gato para ser vermifugado pelo veterinário e preste atenção no modo como o profissional administra o comprimido ao seu bichano.

Depois dessa primeira limpeza, é hora de atentar para o restante da condição geral do seu novo hóspede: pelos, limpeza das orelhas, limpeza dos olhos e peso do animal.

Pelo: puxe beeem de leve em diversos pontos ao longo de todo o corpo do gato (não é para arrancar, é só para dar uma esticadinha de leve na pele). Se sair pelos em algum dos pontos, verifique se a cor na base do pelo é distinta da cor do resto. Em caso positivo,  pode ser sinal de fungos na pele de onde saíram.

Limpeza das orelhas: verifique se há excesso de cerume. Em caso positivo, este pré-diagnóstico se dá em duas etapas: limpe bem todo o cerume que puder e reexamine no dia seguinte. Caso o excesso de cerume retorne já por ocasião desse reexame, há possibilidade de infestação por sarna otodécica (sarna de ouvido) e/ou fungos.

Limpeza de olhos e nariz: a presença de uma quantidade excessiva de secreções nos olhos e de qualquer secreção no nariz podem indicar rinotraqueíte (gripe felina) ou clamídia (uma infecção bacteriana realmente chatinha). Limpe cuidadosamente com algodão umedecido em soro fisiológico e, em caso de resGATO filhote, recheque os olhos no dia seguinte, já que um excesso aparente de secreção nesta parte do rosto pode ter sido apenas o resultado de uma mãe inexperiente que não limpava as remelinhas do filhote com freqüência e cuidado o bastante.

Peso (condição de subnutrição): basta observar se o animal parece muito magro, com costelas e coluna aparentes. A subnutrição é facilmente revertida com a oferta de alimentos de boa qualidade, em particular de pastas supercalóricas (pet-shops e veterinários podem indicar as melhores para seu novo amiguinho), a menos que se trate de um filhote muito novo (1 mês ou menos). Filhotes muito novos precisam ser "amamentados" com solução substituta de leite caseiro, que pode ser preparada em casa conforme a receita abaixo:

. 1 copo de leite integral (de caixinha) 
. 1 copo de água (fervida, filtrada ou mineral) 
. 2 colheres de sopa de farinha láctea 
. 1 gema de ovo cozida e amassada com o garfo (sem a clara, claras fazem mal para o bebê gatinho) 
. 1 colher de chá de mel 
Misture tudo, bata no liquidificador e coloque numa vasilha de vidro lacrada. Guarde na geladeira e na hora de alimentar o bebê gatinho retire só a quantidade necessária. Esta receita serve para até 3 dias. Depois disso precisa fazer uma nova.
(receita obtida em http://www.sosgatinhos.com.br/drkitz/mcookdica.htm) 

As demais condições devem ser tratadas por médico veterinário. As dicas acima são apenas para um primeiro pré-diagnóstico.

Mais uma coisa: não dê leite integral puro ou laticínios a um gato, felinos em geral costumam ser intolerantes a lactose e o leite de vaca puro lhes provoca uma solene disenteria.

Quanto a acostumar o bichano com a nova casa, os cenários variam conforme a idade do seu resGATO e a quantidade de gatos que já moravam lá antes dele chegar.

Nossos amigos felinos são animais territorialistas, e a chegada de um "intruso" à comunidade local sempre é recebida a patadas em um primeiro momento. Cabe a nós, humanos da casa, conciliarmos os antigos com os novos. Antes de mais nada, não devemos soltar um resgato novo sem assistência no meio dos veteranos. Tanto por que estes vão cair em cima daqueles quanto para fins de quarentena. Por que a gente não sabe se algum resgato pode estar doente e transmitir alguma porcaria para os "da casa".

Durante os primeiros dias, a menos que algum dos exames explicados acima tenha dado indicações de que é preciso levar seu amiguinho ao veterinário, deixe o resgato isolado em um comodo da casa de tamanho médio com porta trancável. Nesse período, ponha pedaços de pano (mini mantinhas, pedaços de cobertor, mini lençóis) na caminha provisória do resgato e nos locais de dormir dos veteranos, e vá trocando os panos entre um e outros. Isso fará com que se acostumem com o cheiro uns dos outros e diminua o potencial de conflitos.

Após a quarentena, introduza os resgatos ao convívio dos veteranos um por vez, sempre na sua presença, e com petiscos para gatos à mão para dar a cada veterano enquanto você lhe faz uma preleção sobre os deveres de hospitalidade que ele, como seu "filho" mais velho, tem em relação a cada recém chegado. Estou falando sério, converse com seus gatos. Eles te entendem em 100%, e só não respondem de forma inteligível por que o aparelho fonador do Felis catus não lhe permite articular os sons dos idiomas humanos. Mesmo assim, os gateiros mais experientes conseguem compreender pelo menos parcialmente o conjunto de miados e linguagem corporal de seus "filhotes" mais antigos e a conversa é quaaase de mão dupla.

Falando em filhotes, o convívio com os menorzinhos exige uma paciência extra. Este parágrafo é para os gateiros convictos, que partilham o leito com seus "filhotes" e dorme "de bolinho" com a gataiada toda. Os gateiros de mentirinha que trancam seus gatos em outra parte da casa na hora de dormir podem pular essa parte. Gatos são animais noturnos, e os filhotes costumam, mesmo sozinhos, brincar a noite toda. Prepare-se a cada vez para dormir no seguinte ciclo: dorme 2 horas, brinca-brinca-brinca 20 minutos, dorme 2 horas, brinca-brinca-brinca 20 minutos, dorme duas horas, etc. até a hora oficial de acordar. Por que você VAI brincar-brincar-brincar com o filhote: ser gateiro não é opção, é vocação.

Para aqueles que acreditam em "disciplinar" gatos, um aviso: eles não são como os cães, que convivem conosco na vertical (nós mandando e eles obedecendo). Gatos convivem com você na horizontal, como iguais. Então essas dicas de "disciplina" servem única e exclusivamente para lidar com gatos do tipo Joselito (raríssimos, por sinal): aqueles que quebram vasos, fazem "fúúú" de graça pra tudo, enfim, os que realmente "não sabem brincar". A dica é a seguinte: compre um borrifador desses de jardim e mantenha-o carregado com água. Cada vez que seu gato for pego "no flagra" fazendo alguma cachorrice, borrife-o uma ou duas vezes. Acerte no corpo para bobagens médias e no rosto para joselitices-master.

Atenção: não é para borrifar um gato por que ele está brincando à noite ou arranhando móveis. Um gato é um gato, se você não for gateiro tenha peixes ou passarinhos. O borrifo é para danos à propriedade que impliquem em risco para o animal (vasos de plantas e objetos de vidro, por exemplo) e para comportamentos socialmente inaceitáveis como roubar comida do prato. Roubar comida do prato pode parecer fofinho, mas desregula o tubo digestivo do animal e o expõe a alimentos tóxicos: gatos não podem ingerir cebola ou alho sob hipótese alguma, estes alimentos induzem anemia por hemólise (rompimento dos glóbulos vermelhos do sangue). Gatos também não podem ingerir chocolate (teobromina, para eles é como uma overdose de café) e já mencionamos antes sua intolerância à lactose.

Quanto a arranhar móveis, as dicas mais simples são: disponibilizar arranhadores e marcar os móveis com odores cítricos. Gatos odeiam cheiros cítricos, então duas gotinhas de óleo essencial de limão devem afastá-los do seu sofá favorito ou da poltrona que era herança da vovó. Outro meio de afastar seus amiguinhos de peças tããão importantes assim de sua mobília é envolver a base dos móveis em papel alumínio (não sei por que, mas os gatos não curtem mexer em papel alumínio). Quanto aos arranhadores, tenha sempre pelo menos dois: um horizontal e um vertical. Cada gato gosta de arranhar de um jeito, e quem gosta de um tipo de arranhador não está nem aí pro outro.

Agora, os brinquedinhos para distrair seus fofuchos enquanto você não puder lhes dar atenção direta. Os mais simples costumam ser os melhores, como novelos de lã e bolinhas de papel. Mas se você quer sofisticar a diversão, compre bolinhas de pingue-pongue com penas, que estão disponíveis na grande maioria das pet-shops. Além disso, a dica óbvia: tenha gatos aos pares, eles brincam entre si quando a gente não está lá para lhes dar atenção e vivem muito mais felizes.

Dica extra: se seus gatos tiverem cerca de uns 8 meses de idade ou mais, você também pode lhes oferecer catnip. Também conhecida como erva dos gatos, gatária ou erva-gato, essa planta possui em suas folhas um óleo essencial rico em nepetalactona. Essa substância, inofensiva para os humanos, põe a parte do sistema olfativo responsável pela detecção de feromônios "em curto" e faz com que o animal "viaje" da forma mais maconhosa possível e imaginável. O gato fica literalmente babando na gravata e vendo Papai Noel por coisa de uns quinze minutos (não tente interagir com ele nessa hora, apenas assista o espetáculo e garanta que ninguém o perturbe durante o "barato"), depois ele sai tranquilão como se não tivesse acontecido chongas. Como os receptores olfativos dele estão saturados, a planta só fará efeito novamente após coisa de umas duas horas. Não faz mal algum ao gato (exceto à sua dignidade felina, por que eles ficam realmente hilários quando estão pirando com catnip), relaxa-o maravilhosamente e não tem qualquer efeito colateral. Pãtz, pensando bem eu tenho inveja deles: podem se "drogar" e não lhes acontece lhofas... Hmpft!

Vacinas: sim, por que não é lá muito legal dar para adoção um adolescente ou adulto sem o primeiro protocolo de vacinação completo. Os gatos devem tomar as vacinas anti-rábica (AR) e V4 (quádrupla felina, protege contra panleucopenia, clamídia, rinotraqueíte e calicivirose). O protocolo antigo era de 3 doses de V4 e duas de AR, mas alguns veterinários advogam protocolos mais curtos, com uma dose a menos da V4 e ou da AR. A V4 deve ser aplicada a partir dos 2 meses de idade e a AR a partir dos 3, sendo que as doses do protocolo de cada vacina devem ser dadas mensalmente: 2 meses = 1 V4, 3 meses = 1 V4 + 1 AR e 4 meses = 1 V4 + 1 AR, para o protocolo antigo.

Se você recolher um gato adolescente ou adulto e for prepará-lo para enviar para adoção por outro gateiro, também é de praxe mandar o animal já castrado. A castração também é obrigatória para todos os gatos que forem integrados à família. Um gato ou gata castrado vive o dobro do que vive um animal "inteiro" e as fêmeas castradas tem uma chance absurdamente menor de desenvolver câncer de mama. Além disso, os machos castrados não marcam território com urina.

Outra dica importante é sobre alimentação. A melhor coisa que você pode fazer por seus gatos é alimentá-los com água fresca e ração de qualidade. A água deve ser oferecida em abundância e estar sempre disponível, para diminuir as chances de cálculos renais e outros problemas no trato urinário. A ração deve ser de preferência premium ou super-premium, pois as rações de supermercado (conhecidas no meio gateiro como "rações de combate") são pobres em nutrientes e mal formuladas. As nobres exceções dentre as "de combate" são a Cat-Chow (Purina) e a Sabor e Vida (Guabi). Só compre rações de supermercado em caso de problemas financeiros, superpopulação felina no lar ou para ajudar na alimentação de focos de gatos de rua, pois é por isso que as chamamos "de combate": só as compramos "em situação de guerra".

E NUNCA, NUNCA, NUNCA dê a qualquer gato a maldita da Whiskas. Essa bomba é garantia de problemas renais já no médio prazo. Os fabricantes dessa solene porcaria andaram dizendo que mudaram a formulação do produto e "blá-blá-blá-Whiskas-sachê", mas não acredite. Gato nenhum merece ter que aturar essa trolha. Dê ração de combate, dê Cat Meal, dê "ração Garfield", dê comida caseira, mas não dê Whiskas.

Para encerrar, a questão do banheiro. Tudo o que você precisa fazer é oferecer as caixas de "areia" (granulado sanitário) em local adequado, à razão de uma caixa para cada dois gatos. Tire os torrões e "charutinhos" diariamente, repondo um pouco do granulado, e troque todo o granulado a cada duas semanas. Os melhores granulados são os de sílica e os de argila branca. Os de argila marrom formam uma lama nojenta se você se distrai e deixa passar um dia sem manutenção. Eu costumo preparar as bacias novas a cada duas semanas forrando o fundo da bacia com sílica em pedrinhas (em pó espalha pela casa toda, muito chato) e cobrindo com argila branca, e faço as reposições diárias com argila branca (a sílica dura bem mais e custa caro que dói). Para educar um gato novo, basta recolher a primeira sujeira dele e colocar em cima de uma caixa de granulado sanitário disponibilizada no cômodo da "quarentena". Aliás, a grande maioria só precisa ter a caixa de granulado disponível que já faz tudo no lugar certo logo de saída.

Só para reforçar: tudo o que está escrito aqui é por experiência própria no trato com gatos ao longo de alguns anos, mas eu sou leigo. SEMPRE consulte um profissional médico veterinário de sua confiança.

Bom dia, e bons resGATOS!

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