11 de julho de 2009

Economia Ecológica 1: Oikonomia X Crematística

Observação em 11/04/2014

Atenção, novos leitores: esta postagem será mantida apenas para fins de registro histórico, pois como alguém que gostaria de se tornar um bom cristão algum dia eu finalmente me manquei de que DEUS PROVERÁ e, portanto, essa estorinha de Ecologia é só um nome fofo para satanismo (não confiar no amor de Deus foi o que fez Lúcifer cair).

Senhores, boa madrugada.

Antes de mais nada, vamos esclarecer um detalhinho logo de saída: o que se denomina atualmente “ciência econômica” ou “economia” é apenas um pedacinho da verdadeira Economia, denominado CREMATÍSTICA, que é o ramo da Economia dedicado ao estudo da arte de produzir e acumular dinheiro e seus meios de produção.

Economia propriamente dita, do grego Oikonomia ou “ciência/arte de cuidar da nossa casa” envolve, por princípio, todos os ramos do conhecimento hoje reunidos sob o rótulo de Ciências Ambientais. Por que os gregos sabiam das coisas, e a Oikonomia cuida por questão de princípio de toda a nossa “casa” (óikos = casa; nomos = administração), que é nosso bom e velho planeta Terra. Afinal de contas, não dá para produzir moedas se não houver ouro para minerar ou construir navios mercantes se não houver árvores que derrubar, certo?

Pois foi isso que os atuais “economistas” (continuarei a tratá-los pelo título de sua escolha, por que crematista é um palavrão, e os economistas de verdade serão aqui chamados oikonomistas) esqueceram ao longo do tempo. Graças a esse esquecimento, os atuais economistas enxergam o processo econômico como um ciclo fechado, em conformidade com a figura abaixo (emprestada de http://www.ulbra-to.br/DownloadArquivo.aspx?idArquivo=5bebfbd5-5eb9-465a-a616-1d8708801ba2):


Estaria tudo muito bem nesse modelo, se nos serviços produtivos se incluíssem aqueles prestados pelo ecossistema, tais como fornecimento de minérios e solo fértil, purificação das águas, da atmosfera e dos solos, regulação climática, polinização de culturas agrícolas e tantos outros. O problema todo é que os economistas passaram a definir capital apenas como sendo capital financeiro (dinheiro e crédito) e manufaturado (maquinário e congêneres).

Com isso, branquinho sai por aí dizendo que os capitais manufaturado/financeiro (dinheiro, maquinário, etc.) e natural (recursos naturais em geral) são perfeitamente intercambiáveis/substituíveis, ou seja, se faltar recurso natural, basta enfiar mais máquinas e dinheiro na conta que eles acreditam que dá tudo certo. É sério, se você perguntar para um economista clássico se existe o problema da escassez de recursos naturais, ou ele ri na tua cara (sendo que ele é quem é demente, por rir) ou ele te dá uma preleção fantastólica dizendo que na falta de um recurso natural a inventividade humana dá conta de criar uma nova máquina, processo produtivo ou outra mumunha qualquer que resolve o “seu suposto problema de escassez de recurso natural”. Por que, para ele, o ecossistema é apenas mais uma parte da economia, de onde você pode retirar recursos e onde você pode descartar seus rejeitos, enquanto que a "economia" cresce em volta e fora dele tanto quanto você quiser, conforme o diagrama abaixo:

Mas aí você me pergunta: “De onde é que veio uma idéia de jumento desse calibre? Os caras comeram cocô quando eram criancinhas ou o trote na faculdade de economia é tão escroto que transforma o cérebro da turma em polenguinho?” Pois eu mato o paradigma velho e mostro o novo.

Quando começaram os primeiros estudos quantitativos sérios de economia, na época em que Adam Smith escrevia sua História da Riqueza das Nações e Davi Ricardo escrevia seus estudos sobre funções de produção (lá pros idos da Primeira Revolução Industrial, máquinas a vapor e todas essas coisinhas), havia uma abundância aparentemente inesgotável de bens do tipo capital natural (recursos do ecossistema e capacidade terrestre de provimento de serviços ecológicos e reciclagem de rejeitos) e uma falta considerável de bens da economia (maquinário, mercadorias manufaturadas, dinheiro, crédito e a festa toda que a gente já conhece). O mundo estava “vazio” de bens da economia, como podemos ver no diagrama abaixo:


Em um tal cenário, era até compreensível que os economistas focassem seus modelos no trato daquilo que estava em falta e esquecessem do que estava sobrando. Eles apenas fizeram o que preconiza Pareto, que é trabalhar com os 20% dos dados que fazem os 80% da diferença em relação ao fenômeno que você está modelando para fins de estudo. Só que branquinho esqueceu de “por na Cônsul” a existência dos bens e serviços fornecidos pelo ecossistema. Sabe como é, o que vem fácil a gente não presta atenção nem toma conta. Daí para o diagrama anterior, no qual cidadão vê o ecossistema como mais um lugar de onde tirar recursos e onde jogar rejeitos, dentro de uma economia que pode expandir-se indefinidamente à revelia do ecossistema, é um pulinho.

Com tudo isso, é até razoável que algum leitor menos afeito a essas questões venha a perguntar: “Oras, mas o mundo não estava ‘vazio’? Qual o problema?”
O problema é justamente que o mundo ESTAVA vazio, do verbo JÁ NÃO ESTÁ MAIS. Com a aceleração continuada da economia global, que consome quantidades cada vez maiores de recursos materiais, insumos energéticos e serviços naturais (de absorção e reciclagem de resíduos inclusive), chegamos ao que nós oikonomistas denominamos mundo cheio.

A economia mundial simplesmente está “batendo na tampa” do ecossistema global finito. Não há minério, solo fértil, água potável e etc. e tal para todo mundo, e os economistas de plantão ainda querem que a economia mundial continue a crescer indefinidamente. Perceberam o desastre? A conta não fecha, mas como eles esqueceram uma parcela dos números, não enxergam mais esse não fechamento.
Antes que alguém venha me chamar de vermelhinho ou coisa que o valha, um esclarecimento adicional: o capitalismo propriamente dito não é intrinsecamente incompatível com a economia ecológica (oikonomia). A incompatibilidade vem da contabilidade incompleta praticada em sua versão atual. Hoje, contabilizam-se apenas e tão somente os capitais financeiro e manufaturado, de onde vem que a conta não está fechando. Pois basta reinserir nesse “livro-caixa” os lançamentos correspondentes aos capitais humano, social e natural/físico (recomendo a leitura de “Capitalism as if the world matters”, de Jonathon Porritt).
Capital humano é tudo o que podemos, como pessoa, aportar a um processo produtivo, incluindo força física, inteligência lógico-matemática, todos os demais tipos de inteligência (intrapessoal, interpessoal, espacial-motora, musical, etc.) e nosso capital intelectual (conhecimentos, habilidades e competências).
Capital social é todo o conjunto de regras e interações sociais que nos permitem produzir e conviver em harmonia: instituições, leis, regras, cultura, etiqueta, etc.
Capital natural ou capital físico é a soma de todos os serviços e produtos fornecidos pelo ecossistema: purificação atmosférica, ciclo da água (incluindo regularidade de regimes de chuvas), fornecimento e renovação de solos férteis, fertilização de culturas agrícolas, fornecimento de matérias primas diversas, fornecimento de oxigênio atmosférico pelo fitoplâncton oceânico, reciclagem de rejeitos sólidos pelo solo e respectiva microfauna bacteriana, etc., etc., etc.
Uma vez que você devolve os “números” correspondentes a essas informações ao seu “sistema de equações”, a conta volta a fechar. Afinal de contas, capital é todo e qualquer estoque a partir de cujo fluxo podemos auferir bens e serviços. E o bom e velho capitalismo é o sistema de mercado em que a oferta e a procura dos bens e serviços regem sozinhos os fluxos dos diversos tipos de capital (a boa e velha "mão invisível" de Adam Smith). Desde que você se lembre de incluir em seu modelo todos os capitais envolvidos em seu processo econômico, o modelo funciona.
Hoje eu já deixei com vocês os conceitos de Oikonomia X Crematística, mundo vazio, mundo cheio e Teoria dos Cinco Capitais (natural/físico, humano, social, manufaturado e financeiro).
Antes de encerrar, convido-os a fazer uma pequena "lição de casa": recordem termodinâmica básica (1ª e 2ª leis) e fucem no Google atrás das palavras ENTROPIA e EXERGIA. Isso será útil para o melhor aproveitamento do próximo post desta série.
Por enquanto já está de bom tamanho para uma introdução, então à guisa de fechamento vou apenas deixar alguns autores obrigatórios:
  • Nicholas Georgescu-Roegen: pai da matéria, com seu The Entropy Law and the Economic Process;
  • Robert Costanza: membro fundador da International Society of Ecological Economics; e

  • Herman Daly: meu autor favorito, extremamente prolífico. Para os iniciantes, recomendo seu altamente didático “Ecological Economics: Principles and Applications”, em co-autoria com Joshua Farley.
Agradecimentos: As ilustrações "sem créditos" pertencem originalmente às transparências de aula da disciplina PEA-2200: Energia, Meio Ambiente e Sustentabilidade, para a qual presto serviços como aluno-monitor na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
Daqui duas semanas, retomarei alguns dos conceitos básicos e construirei para vocês um pequeno “teorema de impossibilidade”, uma ferramenta básica de suma importância para o remodelamento da teoria econômica visando a obtenção de uma economia ESTÁVEL e, portanto, SUSTENTÁVEL, e para a compreensão de por quê isso é absoluta e inequivocamente necessário.
Até lá, pessoal!

Nenhum comentário: