22 de abril de 2011

Gulodice, esganação e falta de noção.

Olá, amiguinhos! Mais um post em 2011, quem sabe se eu não emplaco um a cada 3 mêses?

Pois bom, hoje quero comentar sobre alguns ramos do comércio que simplesmente não têm o mais mínimo limite em termos de avidez por lucros. Casos tão patológicos que chegam a ter o potencial de prejudicar seus praticantes por efeito rebote, caso a proporção de consumidores conscientes do fato atinja massa crítica.

Na verdade, trata-se de um único ramo geral de comércio, o dos produtos sazonais. Bacalhau em feriados católicos com abstinência de carne (como Quarta-feira de Cinzas e Sexta-feira da Paixão), Colomba Pascal e ovos de Páscoa à partir de um mês antes do Domingo de Páscoa, panetone/frutas cristalizadas/peru/etc em dezembro e champagnes/espumantes em dezembro são os casos que me vêm à mente agora.

Imagino que muitos de vocês leitores já devam ter reparado como esses produtos têm uma súbita alta de preço nas imediações de suas respectivas "temporadas". Se não, fica o convite a que vocês observem. Passem numa Cacau Show ou Kopenhagen da vida por essa semana agora, anotem o preço de um ou dois tipos de ovo em cada e confiram o preço dos mesmo produtos daqui a duas semanas. Ou, se vocês só estiverem lendo essa postagem depois da Semana Santa, que é o mais provável, façam esse experimento ano que vêm ou seu equivalente com panetones.

Aliás, fica a dica de experimento econômico para confirmar as dimensões da falta de noção do que estou comentando agora. Aproveitem que a Bauducco tem aqueles pontos de venda em estações de metrô e acompanhem a evolução do preço do panetone ao longo do ano ou, pelo menos, de outubro/novembro a fevereiro/março. A coisa é brutal: conforme a temporada da virada de ano se aproxima, a curva de preços dá uma guinada para cima de tirar o fôlego, se sustenta em um patamar estuporante ao longo das duas últimas semanas de dezembro e, em seguida, começa a descer, mais das vezes com direito a queimas de estoque de proporções dantescas.

Esta última parte é que aponta para a selvageria da coisa. Que um produtor aumente a oferta e os preços para lucrar durante uma temporada de vendas naturalmente mais altas, ok, faz parte de uma economia saudável que se aproveitem as oportunidades de lucro. Que os preços se normalizem ou até mesmo se façam pequenas promoções para desencalhar pequenos excedentes de estoque, idem. Mas tenho percebido que há algo de muito errado na escala em que esses fenômenos têm ocorrido por aqui, ao pensar à respeito do tamanho desses excedentes e do tanto que os preços DESPENCAM VERTIGINOSAMENTE durante os incêndios florestais de estoque logo após cada respectiva data-chave.

Aliás, entra ano e sai ano e estes produtores e comerciantes parecem não só não aprender a lição do ano anterior mas ainda ter entendido errado o que aconteceu, por que os excedentes só fazem crescer e as quedas de preço para desencalhe de sobra de estoque são cada vez mais assombrosas.

À princípio, algum leitor poderá dizer que o volume de vendas da temporada multiplicado pelo sobrepreço gera um lucro tal que compensa sobejamente os excedentes de estoque incinerados a cada ano. Mas aí é que entra o que escrevi no primeiro parágrafo de texto deste post: se a parcela de consumidores consciente dessa prática atingir massa crítica, o efeito rebote que se abaterá sobre as cabeças desprevenidas de quem vende cada um destes produtos será épico.

Qual de vocês leitores nunca ao menos ouviu falar de gente que "prefere deixar para comer/beber/comprar o produto X ou Y depois da data Z, por que sai bem mais em conta e dá para consumir bem mais daquilo por muito menos"? Deixar para comprar os presentes da família em janeiro (dica do tio Seu Zé Nando: dá até para retomar uma tradição mais católica e presentear as crianças no Dia de Reis), estocar o bacalhau salgado (100% desidratado e impregnado de sal, dura uma eternidade) em janeiro para poder comê-lo na Semana Santa, deixar para comer ovo de páscoa em maio (curiosamente, o preço do chocolate em barra e dos bombons quase não varia: comprem o chocolate das crianças nessas apresentações e deixem os ovos para maio) e panetone em fevereiro/março/abril, vocês já entenderam a ideia.

Quando a parcela de consumidores que adota esse comportamento ultrapassar um certo limiar, o somatório de vendas perdidas na temporada mais o de excedentes desovados resultará em prejuízo líquido, o qual certamente não será pouco.

Leitores, mãos e carteiras à obra! Chega dessa esganação, gente gulosa e sem noção tem mais é que ficar no prejuízo, mesmo, é o que eu sempre disse! Esse ano comprei chocolate em barras para o Webister e já deixei bem claro para ele que os ovos chegarão pelo menos uma semana depois do Domingo de Páscoa. Sigam o exemplo, sigam as dicas e vamos lá virar essa esganação do avesso contra esse bando de "joselitos": todo mundo aí deixando para adquirir/consumir produtos de estação nas épocas de suas respectivas queimas de estoque!

Só temos a ganhar. Enquanto não atingirmos massa crítica, continuaremos a consumir (muito) mais por (muito) menos. Quando atingirmos, os produtores e comerciantes ver-se-ão obrigados a parar de gulodice e manter seus preços dentro de patamares minimamente decentes mesmo nas próprias datas-chave. As possibilidades de que resolvam baixar a produção para forçar a alta de preços, contando com o fato de que cedo ou tarde VAMOS consumir, são muito baixas (eu diria quase nulas). Baixar produção representa prejuízos em qualquer cenário, ninguém gosta de reduzir ritmo de produção.

Resuminho da ópera: vamos deslocar o consumo dos produtos sazonais para depois do pico da temporada. Enquanto as coisas continuarem na mesma, lucramos com as promoções. Quando mudarem, os preços param de entrar no cio todo santo ano.

Agora que postei, volto ao trabalho: pesquisinha básica para meu departamento na POLI-USP, traduções, o de sempre. Até a próxima!