25 de março de 2010

Alguns livros.

Boa tarde, hoje solto mais algumas "resumenhas" (resumos/resenhas).

Falarei de Stephen King, meu autor favorito no gênero suspense.

O cidadão é simplesmente o rei (trocadilho proposital) do que podemos chamar de terror psicológico: não há um predomínio do chamado "gore" (sangue e tripas, por assim dizer), mas sim de estados de tensão psicológica levada ao limite. Farto uso de pensamentos de personagens e perfis psicológicos complexos, em tramas que se desenvolvem como quebra-cabeças de desenlace desconcertante.

Uma vez que esse moço abusa das cenas e monólogos ocorridos dentro da mente dos personagens, a conversão de seus livros a filmes dificilmente funciona. Para quem conhece, exemplos gritantes são Dreamcatcher (O apanhador de sonhos), Carrie (Carrie, a estranha), It (A coisa) e The Last Stand. Isso fora a grande quantidade de enredos secundários que se entrecruzam, complementando a trama principal.

Outra característica de suas obras é um senso de humor absolutamente peculiar. Sempre tem pelo menos um personagem soltando tiradas daquelas de fazer o leitor cair da cadeira. Se você souber inglês, leia no original, por que muitas destas tiradas são absolutamente intraduzíveis, bem como o palavreado mais "colorido" dos personagens suficientemente nervosos para usar palavrões, em algumas cenas de conflito mais intenso. O nível de profanidade nessas horas é estuporante, mas sempre está dentro de um contexto que o torna completamente cabível.

Alguns de seus temas favoritos, além da evidente predileção por tratar de relacionamentos humanos os mais variados possíveis com uma profundidade quase machadiana, são experiências "psi" (Carrie, Firestarter, Cell, The Shining) e eventos de ordem sobrenatural (The Last Stand, Insomnia, Needful Things, Lisey's story).

Li recentemente Firestarter (Incendiária - ?), Cell (Celular - ?), The Last Stand (Confronto Final - ?) e Needful Things (???).

Firestarter é sobre experimentos militares com um extrato de glândula pituitária e a filha de um casal de cobaias deste experimento. A menina é pirocinética poderosíssima e o pai é um "dominador mental" (basicamente te "empurra" a fazer o que lhe der na telha) médio (custa caro para ele usar sua habilidade). Atenção para o tratamento primoroso dos conflitos psicológicos da menina e para a construção requintadamente meticulosa do perfil psicológico do índio infiltrado para conquistar-lhe a confiança. O conflito interior dos fazendeiros que recebem pai e filha pela segunda vez depois da metade do livro também é digno de nota.

Cell é uma variação curiosíssima da costumeira história de zumbis, e uma prova (junto com The Last Stand) para quem quiser levantar a tese de que Stephen é tecnofóbico. Basicamente, algum grupo de malucos bota um sinal num satélite que enlouquece e zumbifica quem falar ao celular. Depois de um começo vertiginoso, daí pra frente é só rockenroll, só lendo para entender. Mas com direito a churrasquinho de zumbi em estádio de rugbi, coisas que só Stephen King pode criar pra você, amigo leitor! Verdadeiro touch-down literário!

The Last Stand, que junto com Cell mostra uma faceta meio tecnofóbica do autor, é uma parábola religiosa meio macabra, com um roteiro no estilo Armagedon produzido por milicos e seus vírus maravilhosos. Depois de exterminar 99.4% da humanidade com uma variedade de gripe (H1N1, oi?), temos uma velhota que fala com Deus e um maluco que encarnou o demônio Legião, disputando as almas do resto da humanidade primeiro via sonhos (Cell também usa esse recurso) e depois na bomba atômica (mas o jeito que ela vem é liiindo!). Atenção para o perfil psicológico de Trash Can Man, o Sméagol que decide o final deste pequenino "tijolo" (na casa das 1600, 1700 páginas, na versão integral sem cortes).

Completando o quarteto de delícias, Needful Things é uma parábola no melhor estilo "pata do macaco" (cuidado com o que você deseja...), misturado com uma generosa porção de "o barato sai caro". Basicamente, um capeta com personalidade possivelmente construída a partir do mito da divindade grega Éris chega a uma cidadezinha do interior, monta uma loja de "antiguidades" e "variedades" e toca fogo no raio do vilarejo por puro amor ao quebra-pau generalizado e deslavado. Claro que uma boa ração de almas perdidas no processo também o agrada sobremaneira, mas o principal é ver o circo pegando fogo enquanto ele come churrasquinho de palhaço. Neste livro em particular o leitor percebe uma característica bastante comum nas obras do Rei (sobrenome mais que merecido!): demora um bocadinho para o roteiro engrenar, mas depois que engrena é uma montanha russa desaconselhável a ansiosos e cardíacos.

Último comentário, que já gastei um bom tempo nesse post e tempo é uma moeda que está em falta na minha carteira: sempre é bom reforçar que, se você souber inglês, é infinitamente melhor ler no original. Tem muita coisa intraduzível, muito jogo de palavras e expressões "semi-idiomáticas" de um colorido irreprodutível.

No próximo post, quando houver um, PODE SER que eu lembre de falar de António Lobo Antunes, um gajo que põe aquele ridículo do Saramago no chinelo com as duas mãos amarradas atrás das costas.

Auf Wiedersehen!

10 de março de 2010

Pequeno espectro político.

Senhores, desculpem o descuido para com este pequeno espaço.

Os temas de que tratei ultimamente me deixaram em um cul-de-sac literário, pois embora eu aprecie imensamente os compositores cujas resenhas prometi, minha competência no assunto está aquém da necessária para bons posts.

Mas hoje uma conversa me mostrou que há quem precise de alguns esclarecimentos do que vem a ser um espectro ideológico/não-ideológico em política, com alguns exemplos. Em particular no caso do Brasil, onde a ausência já prolongada de uma direita propriamente dita torna a discussão absolutamente nebulosa, por falta de parâmetros de balizamento.

Nada mais justifica dizer que pessoas que, à semelhança de José Serra e Fernando Henrique Cardoso, passaram o período do regime militar brasileiro exilados, sejam hoje figuras "de direita". Ou que se diga que o PSDB, uma dissidência do PMDB (ex-MDB), seja um partido "de direita".

Então, segue aqui um espectro político extendido, por que não existem apenas esquerda, direita e centro. Por outro modo: nem todo político tem posicionamento ideológico, e nem todo comportamento em política é exclusividade de uma dada corrente ideológica.

Primeiro grupo, bastante bem representado no Brasil: a esquerda. Uma definição correta de esquerda envolve alinhamento, em maior ou menor grau, com as teses marxistas. Atenção: em maior ou menor grau. Não é preciso ser um comunista raivoso, bolchevique, de boininha preta e emblema da foice e do martelo na roupa ou camiseta do Che. Basta ser avesso ao capitalismo e/ou ao mercado (novamente, em maior ou menor grau). Vai desde os exaltados do PSOL/PSTU/PCO aos calminhos das alas mais "centro" do PT.

Segundo, com alguns poucos representantes: o centro. Tenta sincera e honestamente conciliar pelo menos parte das teses marxistas a parte das teses de direita. De outro modo, à maneira de Olavo de Carvalho: acredita ser possível obter o melhor dos dois mundos em relação às mentalidades revolucionária (como definida por Olavo de Carvalho, vide link) e evolucionária/conservadora (esta última conforme a definição de Russel Kirk, vide link). Tem vários expoentes no PSDB e alguma gente no DEM.

Direita: regida pela mentalidade evolucionária/conservadora descrita no segundo link acima. Não há mais expoentes aqui no Brasil, salvo talvez o sr. Mário de Oliveira, que candidata-se este ano à Presidência (vide link).

Fora estes 3 grupos, que englobam a parte do espectro político que se pode chamar de ideológica "clássica", há também os seguintes grupos:

1. Os partidários de outras ideologias: seus posicionamentos não necessariamente subscrevem-se a qualquer dos 3 grupos acima, mas seguem uma agenda específica. Exemplos clássicos são os partidos verdes sérios (o brasileiro não está neste grupo) e os partidos cristãos, muito embora esses últimos sejam mais propensos a entrar à direita na parte ideológica "clássica" do espectro, mas não necessariamente - vide Teologia da Libertação (sic). Um exemplo nacional talvez seja o grupo do sr. Eimael (democracia cristã), mas não tenho dados que possam confirmar isso.

2. Os não ideológicos. São um grupo bastante amplo e heterogêneo, no qual enxergo à primeira vista 3 divisões principais:
a. Governismo sistemático: seja por falta de espinha para fazer oposição quando esta é salutar, seja por interesse, seja por sincera adesão a todos os governos que tenham passado ao longo de sua carreira, o político deste grupo é sempre membro da bancada governista. Exemplo clássico: Paulo Salim Maluf. Sejamos honestos, o homem se fez no regime militar por que foi o que estava em curso no tempo em que ele iniciou sua carreira. Se ele fosse cubano, seria um castrista ferrenho. Este vídeo (na verdade uma foto acompanhada de um jingle) é emblemático.
b. Oposição sistemática: "se hay gobierno, soy contra!". Anarquistas em geral, membros mais exaltados da parcela mais exaltada da esquerda e misantropos, entre outros. No Brasil, talvez alguns mais exaltados do PSTU e do PCO.
c. Oportunismo total: aquele político que está lá para se locupletar, e o mundo que queime à vontade lá fora. Conhecidos como bancada dinheirista (copyright Casseta e Planeta) ou fisiologistas, entre outros termos igualmente desdourantes. Exemplo clássico: família Sarney (e de resto, boa parte da massa do PMDB, como Orestes Quércia e outras figuras de igual quilate). Não tem posição fixa sobre o que quer que seja e ficam ao lado de governo ou oposição conforme lhes for mais lucrativo.

Ou seja, existem muitos tons de cinza entre o branco e o preto, além de uma pancada de outras cores.

Fora isto, a quem ainda não percebeu eu informo que sou de direita, no sentido clássico que defini neste texto. Um conservador, ciente de que existem uma ordem moral duradoura e valores absolutos, e descrente da possibilidade de que qualquer indivíduo possa atinar com saltos quânticos em termos de política, moral ou bom gosto.

In corde Jesu
Sizenando