26 de setembro de 2009

Música 1.2

Senhores, boa madrugada.



Insônia é soda! Insônia é soda! Insônia é soda! (surto a la Grace Gianoukas incorporando Sta. Ignorância)



Depois deste começo "abençoado", vamos ao último terço (meu Pai, essa foi in-Lorenzetti...) do primeiro post sobre músicos.



Mais dois clássicos contemporâneos, para fechar esse menu-degustação. Depois de falar de Philip Glass, Arvo Pärt, Iannis Xenákis e Terry Riley, agora é a vez de Edgar Varèse e Jean Sibelius.

(ai, ai... Insônia é soda, mesmo. Tive que voltar pra cama e só voltei a digitar agora de manhã...)

Vamos a Edgar Varèse. Esse é um compositor moderno da família "abrace a insanidade e seja feliz". Forte uso de componentes eletrônicos em sua música, incluindo novos instrumentos como o teremin (http://www.youtube.com/watch?v=tgcMlEZ6NFw&annotation_id=annotation_620932&feature=iv) e o ondas martenot (http://www.youtube.com/watch?v=1LobZ8vg9qE&feature=player_embedded#t=164), em uma música de cores e texturas, totalmente liberta das antigas formas e estruturas.
Francês naturalizado estadunidense, estudou muita música (por que só quem conhece as regras é que pode quebrá-las com proveito) e compôs pouco, mas bem por demais.

À semelhança de Iannis Xenákis, elevou a distribuição espacial das fontes sonoras a parâmetro composicional, criando o que chamou de música espacializada. Exemplos são Hyperprism e Poème Électronique, este último composto para FITA MAGNÉTICA (recurso largamente explorado por compositores modernos como Karlheinz Stockhausen e Xenákis, permite texturas sonoras quase impossíveis de se obter de outra forma, bem como a superposição calculada de texturas sonoras).

O único meio de explicar mais alguma coisa sobre este compositor é linkando algumas de suas peças:

http://www.youtube.com/watch?v=hnh_VT6JIZQ&feature=related (mais faixa-branca)
http://www.youtube.com/watch?v=AGFLUerbLhk&feature=fvw (já pede ouvido disciplinado)
http://www.youtube.com/watch?v=Bh5cfHbbjzs&feature=related (também mais faixa-preta)

Já Sibelius foi de uma sonoridade mais sutil, quase que clássica à moda antiga, mesmo. Eu diria que um Debussy finlandês.

A parte principal de sua obra é seu conjunto de sete sinfonias, nas quais verteu o coração transformando cada uma em uma declaração de seus sentimentos mais pessoais.

Muitos estudiosos consideram sua música como um importante elemento na formação da identidade nacional finlandêsa.

Embora já contemporâneo em sua sonoridade, compôs sempre usando um idioma tonal.

Afora isso, outra vez o jeito é linkar algumas obras:

http://www.youtube.com/watch?v=9t0FBQ3xeVA (ouça com um lenço na mão)
http://www.youtube.com/watch?v=bi8wwFwDqTs&feature=related (solene e poderosa)
http://www.youtube.com/watch?v=XtIw5AkUEsE&feature=related (abre em ppp, apure os ouvidos e ouça em silêncio total, mas NÃO AUMENTE O VOLUME)

Sério, não aumente o volume para ouvir o intermezzo da Suíte Karelia. Ela usa algo chamado dinâmica, e após abrir em ppp (pianissíssimo, ou quase inaudível) vai progredindo lentamente em crescendo até chegar em um clímax em ff (fortíssimo ou alto de lascar) lá para os lados de 2:40-2:50.

Sonoridade profunda e altamente emocional, com tratamento já moderno mas ainda tonal. Como comentei logo no início, praticamente um Debussy finlândes. Basta comparar os links disponibilizados com o estilo de Debussy em Clair de Lune: http://www.youtube.com/watch?v=yVpxLraHphk&feature=related.

Bom, dessa vez o post foi curtinho, e finalmente consegui concluir um programa de música erudita contemporânea com meia dúzia de compositores (ordem aleatória, conforme fui lembrando).

Vamos ver se da próxima não demoro tanto a postar e solto logo 6 livros em um post só, em Literatura 3 (ou se faço 3, 3.1, 3.2, ..., 3.buzilhão).

Até mais, pessoal!

22 de setembro de 2009

Música 1.1

Senhores, boa noite.

Na falta de televisão (tem coisas que só a NET pode fazer por você - vão tomar no SKAVURSKA!), soco mais meio post nesse meu bloguinho querido. Meu trabalho de tradução terminou e o pagamento virou novela mexicana. Quem acompanha meu Facebook já está sabendo. Assim sendo, voltei a ter tempo de postar de vez em quando, ao invés de de vez em nunca.

Falei de música Clássica/Erudita Contemporânea, destrinchando um pouquinho de Arvo Pärt e de Philip Glass.

Agora quero falar só um tiquinho de Iannis Xenákis e de Terry Riley.

Começando com o grego (de sangue, pois é romeno de nascimento e francês em termos de vida adulta, mas gato que nasce no forno não é biscoito): alguém aí lembra que Pitágoras associou música a matemática, com as proporções numéricas das escalas musicais? Pois Xenákis elevou o conceito à enésima potência e lascou dois ovos fritos em cima. A partir de software próprio, desenvolvido em um departamento universitário de matemática, este arquiteto e artista multimídia compôs músicas a partir de funções matemáticas, estocásticas (funções de probabilidade, as que o Oswald de Souza usa para fazer suas "previsões" sobre loterias - acabei de entregar minha idade, snifs...!!!) inclusive.

Como não bastasse esse método absolutamente (im)pessoal de composição, Iannis resolveu dedicar sua vida a mostrar para o mundo o que é ser realmente multimídia. Algumas de suas principais obras, as polytopes, foram compostas para serem apresentadas no interior de estruturas arquitetônicas especialmente projetadas, onde são acompanhadas por shows de luz e até recital ou leitura de textos específicos. O exemplo máximo é a diatope La Legende d'Eer, na qual a estrutura arquitetônica abrigaria show de luzes, projeção de 5 textos específicos em momentos chave da obra e disposição surround da música em 8 trilhas por caixas de som posicionadas de forma estratégica.

Junto com Kraanerg, é apenas para iniciados. Uma primeira experiência pode ser a faixa Metástasis: http://www.youtube.com/watch?v=SZazYFchLRI&NR=1 Mais ilustrativo ainda é assistir a versão "espectral", em que o ponteiro branco percorre o diagrama que gerou a música (acho que através de seu software UPIC, que converte gráficos matemáticos em música - Iannis compôs muita coisa mandando o UPIC mastigar estruturas que ele traçou a partir de conceitos arquitetônicos e funções matemáticas).

Pleïades também é bastante palatável para o ouvinte destreinado, toda composta para marimba/xilofone. As demais obras pedem pelo menos um pouco de disciplina da parte do ouvinte, mas são verdadeiramente recompensadoras.

Já Terry Riley é o rei dos loops. Com uma filosofia composicional muito próxima à de Philip Glass, alia o trabalho de filigrana a um tratamento extensivo ao máximo de cada material sonoro, com obras hipnóticas nas quais cada padrão sonoro é sutilmente variado por tanto tempo quanto é possível sem a introdução de um novo elemento na estrutura da música. Bastante difícil para o ouvinte "cru", o ideal seria aclimatar-se inicialmente ouvindo Philip Glass até que se tenha educado o ouvido para apreciar "Descent in to the maelstrom" ou "Music with changing parts", ponto a partir do qual se está capacitado para fruir até mesmo da música de mestres da duração extendida como Morton Feldman e La Monte Young.

Vivo e na ativa, este californiano estudou música com o grande professor indiano de música vocal Pandit Pran Nath (que também deu aulas para Young), entre outras influências. Sua sonoridade mais característica pode ser apreciada em pérolas como A Rainbow in Curved Air, In C, La muerte em medias calladas negras, Poppy Nogood and the Phantom Band e Dorian Reeds. Seu uso criativo de loops gravados o põe lado a lado com Morton Feldman e La Monte Young na galeria dos compositores de duração extendida, com seus All Night Concerts (imagino como deve ter sido lisérgico levar um saco de dormir para o local do concerto e dormir exposto a um tal tônico neural).

O minimalismo, como deve ter transparecido de Philip Glass e dos compositores adeptos das peças de duração extendida, é um estilo musical para quem gosta de pensar no que está ouvindo, ao invés de apenas deixar a música entrar pelos ouvidos adentro e ponto final. Sua apreciação não é instintiva, mas cerebral. Resumindo: não é música para dançar.

Não lembro onde li isso, mas há quem divida as pessoas em dois tipos básicos de ouvintes musicais: os Dançantes e os Analíticos.

Um ouvinte Dançante apreciaria música de forma instintiva, única e exclusivamente em função de seu caráter lúdico. Se a música tem um bom ritmo e a melodia não desagrada, está valendo, não há uma preocupação mais significativa com harmonia ou letra. Um exemplo característico é o ouvinte de axé (já deu para perceber que me classifico como Analítico?).

Já um ouvinte Analítico tem uma abordagem holística, apreciando simultaneamente melodia, harmonia, ritmo e letra (quando cabível, claro). Se um dos componentes for deficiente e não houver compensação suficiente da parte dos outros, este tipo de ouvinte não consegue apreciar a música em questão. Exemplo de abordagem Analítica é o por que este tipo de ouvinte tem um colapso estético quando exposto a axé ou funk carioca: embora os ritmos sejam tecnicamente bem executados e até envolventes e haja uma opção sistemática (eu diria que até racional, em função da predominância da componente rítmica) pelo pouco ou nenhum uso de harmonia, as melodias são pobres e as letras insuportáveis. Por que para um Analítico uma letra ruim "mata" uma música que de outro modo seria boa.

Concluindo essa digressão, música minimalista é um gênero apreciado por excelência por ouvintes analíticos, e música minimalista de duração extendida é uma paixão para analíticos hardcore.

Hipnótico, lisérgico e medicinal, Terry Riley é o tipo de som para ouvir quando se quer recarregar as baterias após um dia realmente ruim e cansativo. Mais um para ouvir e chapar o côco de cara limpa. Agora mesmo estou ouvindo o primeiro link do vimeo, é uma hora de variações melódicas só para ouvintes realmente analíticos.

Para explicar mais sobre Terry Riley, só deixando um par de links:

http://www.vimeo.com/4284473
http://vimeo.com/1876047

Por hoje é só, pessoal!

20 de setembro de 2009

Música 1

Senhores, bom dia.

Como hoje vou enfrentar algumas horas ao som de Xuxa (mais conhecida pelos cinéfilos como Ursinha Macia), agora vou escrever um pouco sobre música.

Meu primeiro post deu um mapa resumido do meu gosto musical, hoje vou destrinchar um pouco do segmento Clássica Contemporânea falando de dois compositores favoritos.

Abrindo o post em ppp (pianissíssimo - extra-mega-suave beeem de levinho), Arvo Pärt. Compositor estoniano, grande parte de sua produção é de um gênero atualmente em risco de extinção, que é a música sacra, inspirado pela sua fé ortodoxa. Suas obras corais em Eslavônico Litúrgico (idioma arcaico usado na Igreja Ortodoxa do Leste Europeu do mesmo modo que nós católicos usamos o Latim) são primorosas.

Suas composições devem ser ouvidas em ambientes absolutamente silenciosos, e o ouvinte deve tomar cuidado para respirar baixo. Suas melodias são profundamente emotivas, mas sempre como que em aquarela: diluídas e delicadas. Uso extensivo dos recursos mais suaves da dinâmica musical como os ralentando, melodias em legato e acordes profundos e calculados para a produção de ressonâncias secundárias no piano.

Uso mais marcado das vozes graves em obras corais e dos registros agudos nas instrumentais. Nas instrumentais, atenção para a filosofia de composição "tintinabuli": os sons são delicados e etéreos como o tinir de pequenos sinos ou campainhas.

Um excelente exemplo de "tintinabuli" é a linha melódica em notas agudas de Spiegel im spiegel:

http://www.youtube.com/watch?v=QtFPdBUl7XQ

Já o uso de ressonâncias secundárias no piano aparece marcadamente em Für Alina, que tem uma dinâmica com acordes base em mf (mezzo forte) e f (forte) e o restante entre mp e mf, com uso extensivo de pedal. Isso faz com que diversas notas não tocadas surjam a partir de ressonâncias entre as notas da linha melódica e as notas dos acordes base tocados a cada troca de pedal. Confira:

http://www.youtube.com/watch?v=pQJGi9ZLpHE&feature=related

Continuando no minimalismo, do qual Pärt faz parte (nuss... que trocadalho...), passo a falar de Philip Glass. Bebendo de fontes realmente diversas, que incluem de clássicos modernos como Hindemith, Béla Bartók, Schoenberg e Shostakovich à música indiana clássica (vale a pena conferir o álbum Passages, fruto de seu intercâmbio com o mestre da cítara Ravi Shankar), criou e cria uma música absolutamente hipnótica.

Para os não iniciados, algumas obras são realmente herméticas e quiçá assustadoras, então recomendo para primeiras audições que se assista aos filmes da trilogia aberta com Koyaanisqatsi (capítulo a parte na minha lista de preferências, se eu escrever um post sobre cinema é citação certa). As sequências de imagens produzem o clima correto para se apreciar cada uma das faixas destas trilhas sonoras impecáveis.

Para os já aficcionados por música minimalista, recomendo Two Pages, Contrary Motion, Music in fifths e Music in Similar Motion, mais extensas e elaboradas. E para os fãs realmente hardcore, as pieces de resistance Music with changing parts e Music in Twelve Parts.

Principalmente para a última eu recomendo ouvir "de cara limpa" e reservar 4 horas para só ouvir essa música e não fazer mais lhofas da vida. Ouvir esse dilúvio de sutileza sob o efeito de alguma substância seria redundante, pois a música de per si já é extremamente lisérgica.

No momento estou ouvindo Music in Similar Motion junto com a família: Ni e Webister. Webister é um menino de 5 anos (completos hoje!) que merecerá um post a parte se tudo der certo. Mas voltando à programação musical, a idéia básica por trás da música de Glass é o trabalho de nuances. A parceria com Shankar em Passages é emblemática da filosofia composicional de Philip, baseada em variações sucessivas sobre estruturas repetitivas ao modo das variações tonais das ragas indianas. Só que Philip usa tanto variações tonais quanto variações rítmicas, harmônicas e de linha melódica.

Ao contrário de Pärt, o trabalho de Glass é cheio de som e de fúria, mas embora sejam músicas escritas por "loucos" (eu diria iluminados), ambos significam muito!

Resumindo: ouça e "chape o côco" de cara limpa. Viaja-se demais e não há efeitos colaterais.

Até a próxima, pessoal!

12 de setembro de 2009

Retornando a uma tentativa de programação normal.

Senhores, bom dia!

Depois de um longo e tenebroso inverno, eis-me de volta com mais meia dúzia de "análises literárias" (resumos comentados esculachados) de livros que li a algum tempo atrás.

Os dois primeiros meio-posts trataram de "The portrait of a lady" (Henry James), Drácula (Bram Stoker), Frankenstein (Mary Shelley) e os três livros de Thomas Hardy que já tive o prazer de me deprimir lendo (que emo...!): The Melancholy Hussar and other stories, Tess of the D'Urbervilles e Jude the Obscure.

Hoje eu tinha pensado em falar de literatura nacional, para variar um pouco, antes que me acusem de ter sido alfabetizado em inglês. Mas minha memória não me ajuda com os meus favoritos brazucas, já vai para mais de uma década que li os livros de Machado de Assis, então vou apenas passar um top-five beeem resumidinho (com auxílio da web para cobrir os claros desse polenguinho que é meu cérebro - aliás, se a Polenghi quiser me patrocinar eu aceito!):

O primeiro resumão de hoje é de Memórias Póstumas de Brás Cubas: um dos poucos integrantes vitalícios das listas de leitura de vestibulares que dão prazer ao serem lidos, ao invés de afugentar nossos jovens do hábito da leitura. Por que quem está começando a ler não pode ser empurrado para obras muito densas e que exijam mais maturidade da parte do leitor do que este tem no momento.

Trata das memórias (fictícias) do personagem-título, que é um pulha da pior espécie e um pusilânime de marca maior. O charme do livro não está tanto no artifício original e engenhoso do defunto-narrador, mas em sua estrutura temporal de flash-back quase ao estilo do filme Amnésia (na verdade há alguns flash-forwards, transformando o "estilo Amnésia" em um fluxo livre de consciência em ritmo onírico, quase dadaísta).

De um pessimismo corrosivo, nos faz sorrir amarelo com a grande não-realização de Brás Cubas, que foi não ter filhos. Isso mesmo! Brás Cubas orgulha-se, já roído dos vermes a quem dedicou (numa veia meio a la Augusto dos Anjos) sua obra, de não ter "transmitido a ninguém o legado de nossa miséria". E eu achando que sou misantropo... Ora, faça-me o favor, Sizenando! Misantropia é isso, é odiar gente em escala industrial a ponto de sentir que marcou um golaço de letra na vida por que não foi "gente que faz gente", e não ficar se achando todo que não gosta de gente só por que não tem habilidades sociais!

De resto, Brás foi um estróina (dissipou boa parte da fortuna da família), dissipado (o pai teve de mandá-lo estudar em Portugal para parar de incinerar dinheiro em jóias para uma prostiputa), mau (desde pequeno. Seu grande orgulho foi quebrar a cabeça a uma escrava que lhe negou uma colher de doce, aos 6 aninhos), egocêntrico (emplasto Brás Cubas, a cura de TODAS as doenças - Ha! Mal sabia ele da banha do peixe elétrico do Amazonas!) e amoral (perdendo a noiva para alguém menos inútil na vida, faz dela sua amásia, com direito a casinha para rendez-vouz e tudo o mais). E quase pira na batatinha com seu amigo Quincas Borba, criador de um tal de Humanitismo que é a verdadeira pérola do livro.

Sacanagem com o positivismo de Augusto Comte e outras correntes filosóficas, o Humanitismo seria algo entre Darwin e Nietzche, segundo o qual fracos e oprimidos tem mais. Tem mais é que se lascar com um sorriso no focinho! Sua divisa, "Ao vencedor, as batatas!", é a expressão máxima do "Farinha pouca, o meu pirão primeiro!". Não duvido nada que nossos políticos sejam todos humanitistas.

Concluindo o resumo, tudo me leva a crer que Machado escreveu "Memórias Póstumas" e "Quincas Borba" de uma tacada só e depois abriu a obra em dois livros, seja por acreditar que as histórias se estruturariam melhor deste modo ou para alavancar as vendas (soltando no mercado um livro pelo preço de dois, pechincha das pechinchas!).

O que me leva ao segundo lugar da lista: Quincas Borba.

Começando com a morte de Quincas Borba, a "continuação de Memórias Póstumas" trata da vida e desventuras de Rubião. Rubião começa como enfermeiro de Quincas Borba, amigo rico e lunático de Brás Cubas, criador do Humanitismo. A obra toda é um verdadeiro tratado de Humanitismo sob a forma de parábola, com o tolo Rubião herdando a riqueza de Quincas e também sua loucura: de tanto bater palma pra maluco, o ex-enfermeiro acabou também ficando de miolo mole, pois nada mais justificaria tanta tolice (a facilidade com que o casal Palha o depena é hilariante) e bananice (francamente, aceitar a condição de cuidar do cachorro de Quincas em perpetuidade para ter direito à herança, e isso sem sequer tentar contratar um advogado que o safasse dessa maçada de virar passeador de vira-latas! Mas tem que ser muuuito faixa-branca!) juntas.

O senhor Palha é um tipinho dos mais desprezíveis, já que é gigolô da própria esposa, e dona Sofia é também uma grandessíssema meretriz. Aliás, as rameiras que me perdoem, pois afinal de contas estas depenam seus clientes mas entregam o "produto". O pobre do Rubião foi escorchado até a morte (literalmente, morreu louco depois de ter sido rapelado até a miséria absoluta) e não ganhou sequer um beijinho na bochecha.

Mas Rubião realmente mereceu ser esbulhado. Pois além de burro e maluco (virou Humanitista ferrenho e não entendeu que ele era um fraco e, portanto, segundo sua querida "filosofia" ele tinha era mais - que se ferrar), ainda era arrogante, metido a sebo e deslumbrado. Mudou de bairro, mudou de amigos e mudou de vida. Bem feito pra ele tudo o que veio na esteira! Pagou o abandono dos parentes e antigos amigos com a miséria, a loucura e a morte, depois de ter sido vampirizado por seus novos amigos-da-onça (orquestrados pelo pulha supremo da história, o sr. Palha) e por sua "castíssima amante" (francamente, se era pra ser adúltero em intenção, que ao menos honrasse as calças e desfrutasse da vadia - senhores, nosso pamonha rasgou dinheiro a rodo, mais do que suficiente para ter Sofia como sua "teúda e manteúda", e ficou só no amor platônico? Mas vá ser perdedor assim na casa do capeta!).

Nessa história toda, fiquei com pena foi do cachorro de Quincas Borba, que acabou tão pobre e vira-lata quanto era antes de ter sido adotado por Quincas, já que seu "curador" Rubião perdeu até as ceroulas e foi pra vala comum, enterrado como indigente após ter fugido do hospício onde seus graaandes amigos o enfiaram para melhor terminar de incinerar sua fortuna. Custava alguém ficar com dó do Quincas (o cachorro) e lhe dar um final de vida mais digno?

Falando em loucura, vamos ao terceiro lugar da lista: O Alienista. Senhores, digo-vos que foi a comédia mais deliciosa que já li em minha vida. Dom Quixote foi um mero aprendiz de Raul Seixas em comparação com meu caríssimo Simão Bacamarte. O distinto teve a fineza de terminar seu grande experimento científico como deveria já te-lo iniciado, para que pudessemos ter uma história que ler. E os habitantes de Itaguaí que me desculpem, mas para permitir a Bacamarte que fizesse a festa que fez na cabeça de todo mundo, realmente mereciam ter passado suas vidas ao lado de nosso simpático demente.

Resumindo a ópera: Bacamarte era psiquiatra, mas teve de aprender na prática aquela frase da sabedoria dos antigos - "Médico, cura-te a ti mesmo!". Chegado de seus estudos e famoso por seu renome clínico, ganha rapidamente carta branca da administração municipal para construir e gerir um sanatório (a Casa Verde), que logo trata de encher. Tentando decifrar a loucura (notem o tema da panacéia universal, que já tinha sido tratado em Brás Cubas), nosso doutor mentecapto interna a cidade inteirinha que Deus deu, primeiro tentando "curar" todo mundo, depois descobrindo que o legal é ser doido e então "entortando" todo mundo e, finalmente, atinando com a verdade que estava debaixo do próprio nariz o tempo todo: o doido era ele!

O final do livro foi magistral, com Simão Bacamarte "saindo do armário" como doido varrido que sempre foi e se internando. A justiça foi feita, Bacamarte foi internado e todos em Itaguaí viveram felizes para sempre.

O quarto livro da lista vem para confirmar uma opinião minha. Machado de Assis, ao contrário do que dizem a crítica e os professores de literatura, além de ter sido autor sério de obras mais profundas também foi um comediante de mão cheia, por mais que só admitam a veia cômica a "O Alienista" (também, aqui nem há o que discutir: Simão Bacamarte terminar os dias na Casa Verde de motu próprio foi sacanagem demais para alguém ainda tentar argumentar contra o caráter absolutamente cômico desta obra-prima). Falarei agora de Dom Casmurro.

Sim, amigos. Por que essa história de "mistério" em torno da relação Putinha - Cornélio - Ricardão, digo, Capitú - Bentinho - Escobar, é coisa de gente burra ou mal intencionada. Vamos parar de ser lerdos na vida, senhores! O título de maior chifrudo de toda a história da literatura é do Bentinho e ninguém tasca!

A comédia começa com a abertura do livro, que é mais um voluminho de "memórias". Bentinho, corno velho azedo, conta as memórias de sua frondosa galhada. Começa dizendo que ganhou das gentes o apelido de Dom Casmurro (que traduzido do português arcaico usado à época resultaria em algo como "Senhor Emburrado") depois que a vagaba que passou a vida lhe corneando trocou o fogo no rabo pelo fogo do inferno, afinal de contas, como diziam os Mamonas, ele era corno mas era feliz.

Na seqüência, nosso chifrudinho-mor conta-nos o quanto foi uma criança frouxa e um adolescente bundão, dominado pela mãe (cadê o pai, mesmo? Figura paterna, oi?). Beata daquelas que dão mal nome às senhoras católicas em função de seu farisaísmo galopante, querendo ter um filho a toda força resolve "chamar Deus de caixa automático". Promete fazer de seu filho um padre (quer ele seja vocacionado, quer não. Perceberam a *agada?)!

Pois muito obediente a mamã, vai Bentinho ao seminário. Enquanto isso, entra em cena a vagabete mais cantada e decantada em prosa e verso da última flor do Lácio, inculta e bela: Capitú, a vesguinha em "estado de coma". Estado de "me coma", falemos com propriedade! Provavelmente o Machadão se inspirou em alguma ancestral da Débora Secco.

Filha de um agregado da casa (um encostado que vivia da caridade de Dona Glória, a mamãezinha querida de nosso Chifronésio), ela rapidamente vira a cabeça de Bentinho, sob o olhar inicialmente desconfiado da atônita Dona Glória. Mais tarde, finalmente acaba por convencer Bentinho a levantar a batina e virar também os olhinhos. A combinação clássica de chave-de-perna e golpe-do-baú, como consta do Manual da Cavadora de Ouro. Afinal de contas, por mais frouxo e ruim de nheco-nheco que Bentinho pudesse ser, ele era a chave para o cofre de Dona Glória, de quem seria herdeiro universal. Nada mal para a filha do agregado, não?

Alucinado e pensando com a cabeça de baixo, Bentinho sai do seminário e casa com nossa tataravó de Kelly Key, que realmente o trata de cachorrinho pra baixo, confiram o clipe (Capitú de sombrona azul e Bentinho negão):

http://www.youtube.com/watch?v=SNtX5gvYMXY

Pois bom, aos leitores que assistiram, desculpem. Mas é assim mesmo que Capitú leva Bentinho, na coleira!

Não contente de desvirtuar um seminarista e fazê-lo largar a batina, repete a dose na hora de escolher seu Ricardão. Ou alguém aqui duvida que foi a Capitú que convenceu Escobar a também levantar a batina e sair do seminário? Pois para mim o mistério de Capitú não é se ela casmurrou Dom Chifrudo (desculpem, chifrou Dom Casmurro) só um pouquinho ou com toda a torcida do Flamengo, e sim se ela virou ou não mula-sem-cabeça depois de sua morte, por que vá gostar de desencaminhar padre assim no raio que a parta! Vá gostar de levantar batina pra pegar em badalo de seminarista assim em livro do Jorge Amado, criatura!

De qualquer modo, continuemos. Casadinha com um e dando mais que chuchu na serra pra outro (único documentado, mas não duvido nada que ela tenha passado o rodo em toda a capital do Império). Bentinho só teve motivos para esquentar a cabeça e, por conseguinte, sentir o cheirinho de chifre queimado, quando ela não soube segurar a própria onda no enterro do Ricardar/Escobão e chorou mais que a viúva (outra chifrudinha, mas essa não vem ao caso por que não teve tanta ênfase no livro).

Se já existisse DNA na época, nosso par romântico ia direto pro Ratinho, e Dom Casmurro passaria a se chamar Dom Me Livrei de Boa, por que o baby de Capitú era os cornos do Escobar. Loirinho do olho verde, um verdadeiro Miguel Falabella, sendo que Bentinho era os cornos do André Gonçalves e Capitú devia ser os cornos da Débora Secco. Mais óbvio que isso só se Bentinho e Capitú tivessem sangue O negativo e seu baby viesse ao mundo como A positivo, à semelhança de papai Escobar.

Daí pra frente, foi nosso galhudinho ficando mais e mais azedo e mandando o moleque às favas, terminando o livro sozinho e sem alguém que o chifre.

Para concluir a lista, um conto: "O enfermeiro". Mais uma pérola de misantropia, desmantelando o mito em torno do enfermeiro mega bonzinho que se torna herdeiro universal do velhote sob seus cuidados. Pois sim! O distinto tem uma crise de raivinha com o pobre do velho caduco, por conta de uma surtada deste último, e enforca-o com as mãos nuas!

Senhores, atenção. Quando foi contratado, Procópio já foi avisado logo de saída de que seu paciente, o Coronel Felisberto, era senil e de maus-bofes, logo, não tinha de que se queixar. Já diziam os antigos: "Combinado não é caro", e "Quem não agüenta com pote não segure na rodilha"! Se não tinha paciência para aturar bengalada de doido gagá, não aceitasse o encargo, ora, pílulas! E depois fica todo arrependidinho, dizendo que só acelerou a morte de seu pobre paciente. Faz-me rir, assassino! Matou um doente indefeso com as mãos limpas, e ficou caladinho. Depois de fechar bem o colarinho do defunto, para disfarçar as marcas das unhas (ui, meu bem, que mêda, mona!).

Repito: ao ser contratado para cuidar de Felisberto, o enfermeiro já foi sobejamente avisado de todas as idiosincrasias do CORONEL. Negrito e maiúsculas no título para lembrá-los de que era um coronel no estilo "coroné arretado". Fazendeiro rico e chefe político da região quando estava em seu perfeito juízo, era seguidor ferrenho da escola "manda quem pode e obedece quem tem amor à vida". Agora imaginem um sujeito desses caducando e entrevando, sob os cuidados de um enfermeiro homem (por que se fosse uma enfermeira, era líquido e certo que o Coronel haveria de querer lhe enfiar um outro tipo de bengalada). Óbvio que haveria um festival permanente de birra, mau humor e achaques.

Depois dessa, Procópio, o nosso anti-herói, ainda teve a desfaçatez de aceitar a herança de sua vítima e posar de grande homem para a cidade. Pelo menos terminou mal, doente e desenganado dos médicos. Que sofra muito, calhorda! E não adianta estatuir em testamento que paguem missas por tua alma, que com certeza absoluta está torrando no inferno dos personagens. Por que os que possuem não serão consolados coisa nenhuma.

Por hoje é só, pessoal! Depois eu vejo se lembro de mais algum livro para esculhambar, e vejo onde é que acho outra manhã de insônia para postar mais aqui.

Fui!