22 de setembro de 2009

Música 1.1

Senhores, boa noite.

Na falta de televisão (tem coisas que só a NET pode fazer por você - vão tomar no SKAVURSKA!), soco mais meio post nesse meu bloguinho querido. Meu trabalho de tradução terminou e o pagamento virou novela mexicana. Quem acompanha meu Facebook já está sabendo. Assim sendo, voltei a ter tempo de postar de vez em quando, ao invés de de vez em nunca.

Falei de música Clássica/Erudita Contemporânea, destrinchando um pouquinho de Arvo Pärt e de Philip Glass.

Agora quero falar só um tiquinho de Iannis Xenákis e de Terry Riley.

Começando com o grego (de sangue, pois é romeno de nascimento e francês em termos de vida adulta, mas gato que nasce no forno não é biscoito): alguém aí lembra que Pitágoras associou música a matemática, com as proporções numéricas das escalas musicais? Pois Xenákis elevou o conceito à enésima potência e lascou dois ovos fritos em cima. A partir de software próprio, desenvolvido em um departamento universitário de matemática, este arquiteto e artista multimídia compôs músicas a partir de funções matemáticas, estocásticas (funções de probabilidade, as que o Oswald de Souza usa para fazer suas "previsões" sobre loterias - acabei de entregar minha idade, snifs...!!!) inclusive.

Como não bastasse esse método absolutamente (im)pessoal de composição, Iannis resolveu dedicar sua vida a mostrar para o mundo o que é ser realmente multimídia. Algumas de suas principais obras, as polytopes, foram compostas para serem apresentadas no interior de estruturas arquitetônicas especialmente projetadas, onde são acompanhadas por shows de luz e até recital ou leitura de textos específicos. O exemplo máximo é a diatope La Legende d'Eer, na qual a estrutura arquitetônica abrigaria show de luzes, projeção de 5 textos específicos em momentos chave da obra e disposição surround da música em 8 trilhas por caixas de som posicionadas de forma estratégica.

Junto com Kraanerg, é apenas para iniciados. Uma primeira experiência pode ser a faixa Metástasis: http://www.youtube.com/watch?v=SZazYFchLRI&NR=1 Mais ilustrativo ainda é assistir a versão "espectral", em que o ponteiro branco percorre o diagrama que gerou a música (acho que através de seu software UPIC, que converte gráficos matemáticos em música - Iannis compôs muita coisa mandando o UPIC mastigar estruturas que ele traçou a partir de conceitos arquitetônicos e funções matemáticas).

Pleïades também é bastante palatável para o ouvinte destreinado, toda composta para marimba/xilofone. As demais obras pedem pelo menos um pouco de disciplina da parte do ouvinte, mas são verdadeiramente recompensadoras.

Já Terry Riley é o rei dos loops. Com uma filosofia composicional muito próxima à de Philip Glass, alia o trabalho de filigrana a um tratamento extensivo ao máximo de cada material sonoro, com obras hipnóticas nas quais cada padrão sonoro é sutilmente variado por tanto tempo quanto é possível sem a introdução de um novo elemento na estrutura da música. Bastante difícil para o ouvinte "cru", o ideal seria aclimatar-se inicialmente ouvindo Philip Glass até que se tenha educado o ouvido para apreciar "Descent in to the maelstrom" ou "Music with changing parts", ponto a partir do qual se está capacitado para fruir até mesmo da música de mestres da duração extendida como Morton Feldman e La Monte Young.

Vivo e na ativa, este californiano estudou música com o grande professor indiano de música vocal Pandit Pran Nath (que também deu aulas para Young), entre outras influências. Sua sonoridade mais característica pode ser apreciada em pérolas como A Rainbow in Curved Air, In C, La muerte em medias calladas negras, Poppy Nogood and the Phantom Band e Dorian Reeds. Seu uso criativo de loops gravados o põe lado a lado com Morton Feldman e La Monte Young na galeria dos compositores de duração extendida, com seus All Night Concerts (imagino como deve ter sido lisérgico levar um saco de dormir para o local do concerto e dormir exposto a um tal tônico neural).

O minimalismo, como deve ter transparecido de Philip Glass e dos compositores adeptos das peças de duração extendida, é um estilo musical para quem gosta de pensar no que está ouvindo, ao invés de apenas deixar a música entrar pelos ouvidos adentro e ponto final. Sua apreciação não é instintiva, mas cerebral. Resumindo: não é música para dançar.

Não lembro onde li isso, mas há quem divida as pessoas em dois tipos básicos de ouvintes musicais: os Dançantes e os Analíticos.

Um ouvinte Dançante apreciaria música de forma instintiva, única e exclusivamente em função de seu caráter lúdico. Se a música tem um bom ritmo e a melodia não desagrada, está valendo, não há uma preocupação mais significativa com harmonia ou letra. Um exemplo característico é o ouvinte de axé (já deu para perceber que me classifico como Analítico?).

Já um ouvinte Analítico tem uma abordagem holística, apreciando simultaneamente melodia, harmonia, ritmo e letra (quando cabível, claro). Se um dos componentes for deficiente e não houver compensação suficiente da parte dos outros, este tipo de ouvinte não consegue apreciar a música em questão. Exemplo de abordagem Analítica é o por que este tipo de ouvinte tem um colapso estético quando exposto a axé ou funk carioca: embora os ritmos sejam tecnicamente bem executados e até envolventes e haja uma opção sistemática (eu diria que até racional, em função da predominância da componente rítmica) pelo pouco ou nenhum uso de harmonia, as melodias são pobres e as letras insuportáveis. Por que para um Analítico uma letra ruim "mata" uma música que de outro modo seria boa.

Concluindo essa digressão, música minimalista é um gênero apreciado por excelência por ouvintes analíticos, e música minimalista de duração extendida é uma paixão para analíticos hardcore.

Hipnótico, lisérgico e medicinal, Terry Riley é o tipo de som para ouvir quando se quer recarregar as baterias após um dia realmente ruim e cansativo. Mais um para ouvir e chapar o côco de cara limpa. Agora mesmo estou ouvindo o primeiro link do vimeo, é uma hora de variações melódicas só para ouvintes realmente analíticos.

Para explicar mais sobre Terry Riley, só deixando um par de links:

http://www.vimeo.com/4284473
http://vimeo.com/1876047

Por hoje é só, pessoal!

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