27 de julho de 2009

Economia Ecológica 2: o tripé do DS.

Observação em 11/04/2014

Atenção, novos leitores: esta postagem será mantida apenas para fins de registro histórico, pois como alguém que gostaria de se tornar um bom cristão algum dia eu finalmente me manquei de que DEUS PROVERÁ e, portanto, essa estorinha de Ecologia é só um nome fofo para satanismo (não confiar no amor de Deus foi o que fez Lúcifer cair).

Senhores, desculpem o atraso.
No post anterior sobre oikonomia, apresentei os seguintes conceitos iniciais:

  • Oikonomia X Crematística
  • Mundo vazio
  • Mundo cheio; e
  • Teoria dos Cinco Capitais (natural/físico, humano, social, manufaturado e financeiro).

  • Antes de encerrar, convidei-os a fazer uma pequena "lição de casa", recordando termodinâmica básica (1ª e 2ª leis) e procurando se informar do significado das palavras ENTROPIA e EXERGIA.
    Para quem não a fez, segue um par de definições rápidas:

  • Entropia: medida do grau de "desordem" de um sistema, tende sempre a aumentar. Quanto maior a entropia de um sistema, menor a exergia disponível.
  • Exergia: capacidade que a energia possui de realizar trabalho útil. Embora a energia seja "indestrutível e eterna" (Lavoisier), a exergia se esvai em proporção direta à geração de entropia de um dado processo. Pode-se dizer que a exergia é o "combustível" que move o Universo.

  • Da segunda lei da termodinâmica, temos que a geração de entropia em um processo é sempre positiva (processos termodinamicamente irreversíveis, ou seja, processos do mundo real) ou nula (processos termodinamicamente reversíveis, ou seja, abstrações físicas onde o atrito é nulo e outras coisinhas lindas que só existem em problemas de física na escola). Com isso, o gasto (ou falando com mais propriedade a DESTRUIÇÃO) de exergia em um processo é igualmente sempre positiva (mundo real) ou nula (nos livros).
    Quando toda a exergia do universo for exaurida, este sofrerá o que alguns físicos chamam de "morte térmica", transformado em uma sopa disforme e homogênea de poeira cósmica e calor de baixa temperatura.
    Agora para algo completamente diferente: lembram que eu disse que o nosso ecossistema global, que inclui todos os recursos naturais/físicos da Terra, é finito? Lá nas figurinhas de mundo vazio e de mundo cheio. Tá lá, Ecossistema Global FINITO. Por que cargas d'água a palavra FINITO, e por quê eu a friso insistentemente aqui? Só por que, ao contrário de Julian Simon, Bjorn Lomborg e outros menos cotados, eu sou um neo-malthusiano e, portanto, sei que os recursos provenientes de nosso lindo planeta azul que estão à disposição da humanidade são finitos. Ou seja, a quantidade deles pode até ser estuporantemente gigantesca, mas "dá para contar". Qualquer que seja o recurso: solo arável fértil disponível, água potável, oxigênio atmosférico, cobre, ferro, silício, manganês, chumbo, molibdênio, zinco, cana de açúcar, ovelhas, you name it.
    Alguns desses recursos são renováveis, desde que se respeite a velocidade natural de reposição, outros estão fadados a esgotar-se caso usados até o fim. Adivinhe em qual destas categorias está nossa amiga exergia.
    Ganhou um pirulito do tio e uma estrelinha no caderno quem respondeu AMBAS. Agora vem o mais divertido, a explicação de "Como assim, ambas?!?". Acontece que, embora o planeta conte com um estoque finito de fontes de exergia, tais como petróleo, gás natural, carvão, xisto betuminoso, areias betuminosas, urânio, plutônio e tório, também temos acesso a um suprimento contínuo de exergia proveniente do Sol (luz solar - diretamente ou indiretamente via fotossíntese -, ventos, ondas, gradientes de temperatura e salinidade dos oceanos, etc.) e da interação gravitacional entre a Terra e a Lua (marés).
    Muito que bem, então se acabarmos com os combustíveis fósseis e físseis, desde que sobrevivamos ao efeito estufa adicional resultante de consumirmos TODAS as nossas reservas de combustíveis fósseis ao invés de largarmos mão deles antes, sempre teremos as fontes renováveis? Então por que é que os ecochatos fazem tanto barulho?
    Bom, primeiro por que não vai dar para segurar a onda de todo esse aquecimento global se produzirmos todo esse fumacê. Segundo (e aqui é que a coisa fica divertida), por que embora os suprimentos de exergia solar e lunar sejam razoavelmente constantes e permanentes para os próximos dois bilhões de anos pouco mais ou menos, eles se dão a uma razão constante. Isso significa que, ou a economia global dá os seus pulinhos e aprende a se virar só com esse tanto de exergia para consumir por unidade de tempo, ou a coisa desanda.
    O problema é que, em função da disponibilidade histórica dos combustíveis fósseis e físseis, a economia global está atualmente viciada em funcionar consumindo uma quantidade tal de exergia por unidade de tempo que, para o atual estado da arte das tecnologias energéticas, corre um sério risco de ser inviável quando finalmente não tivermos outra opção que não suprir essas necessidades exergéticas a partir dos suprimentos solar e lunar.
    A figura abaixo ajuda a entender do que é que eu estou falando no parágrafo acima:

    O "estoque terrestre" é o somatório dos estoques terrestres de combustíveis fósseis e físseis. Ao "estoque solar" (toda a energia proveniente do Sol que atingirá a Terra ao longo da história do planeta) somemos a energia gravitacional das marés e teremos o fluxo de energia disponível para nós na ausência do "estoque terrestre" por unidade de tempo.
    Como na verdade hoje o "fluxo solar" é menor que o "fluxo terrestre" (taxa de consumo dos combustíveis fósseis e físseis por unidade de tempo na economia global), ou revertemos esse vício por consumos energéticos exagerados ou na hora que o "estoque terrestre" acabar a coisa desanda. Isso se não desandar antes por conta do aquecimento global.
    E agora, senhoras e senhores, começa o post propriamente dito, que isso tudo foi só introdução. O que é mais engraçado é que talvez a introdução venha a ser mais extensa que o post.
    A partir dos conceitos apresentados na introdução (entropia, exergia, ecossistema global FINITO e "ampulheta entrópica"), dá para ver que ou a gente tira o pé do acelerador, pisa no freio com as quatro patas E puxa o freio de mão até o talo, ou a espécie humana caminhará alegremente de rodinhas ladeira abaixo rumo ao precipício.
    Agora, qual a alternativa?
    A alternativa é o que nós "oikonomistas" (economistas ecológicos) chamamos de Desenvolvimento Sustentável.
    Pela definição mais tradicional, Desenvolvimento Sustentável é "aquele em que nós atendemos a todas as necessidades das gerações presentes permitindo que as geraçõas futuras também possam satisfazer todas as suas necessidades" (Relatório da Comissão Brundtland de Desenvolvimento e Meio Ambiente - Nações Unidas, 1987). Ou seja, um desenvolvimento que segue a sabedoria dos antigos, segundo a qual "Sabendo usar não vai faltar".
    Por que não dá para manter um padrão de atividade econômica mundial que consome em um ano os recursos ecológicos equivalentes à produção e reposição anuais de 1.3 planetas Terra (http://www.footprintnetwork.org/en/index.php/GFN/).
    Pois muito que bem, não basta dizer o quê fazer, precisa dizer como. E os próximos parágrafos tratarão disso.
    O Desenvolvimento Sustentável, como seria de se esperar, pede por um modelo de economia ESTÁVEL (steady-state economy), em que não há crescimento quantitativo, mas apenas e tão somente desenvolvimento qualitativo. A maioria dos pesquisadores nessa área, inclusive, acreditam ser necessária uma primeira fase de redução quantitativa (1.3 é maior que 1, né?).
    Os CREMATISTAS (aqueles que se dizem "economistas") dizem que uma steady-state economy (economia em regime "estacionário" ou "estável") é uma utopia ou um pesadelo. Bom, pesadelo e utopia, para mim, é achar que crescimento exponencial cabe em um sistema finito, mas cada um com sua tara. Mas tirando esses tarados, que contam com representantes do quilate de Julian Simon e Bjorn Lomborg (pra ver como são sérios e científicos... ...kkkkkkkkkkkkkk...), qualquer um que entenda de matemática em nível primário ou ginasial percebe que a conta não fecha com 1 planeta para morar e 1.3 planetas de consumo.
    De forma bem resumida, uma economia sustentável (aquela que se adequa aos parâmetros de funcionamento de um desenvolvimento sustentável) deve apresentar 3 características:
    1. Escala compatível;
    2. Eqüitatividade; e
    3. Eficiência alocativa.
    Como ninguém nasceu sabendo, expliquemos cada um destes 3 requisitos.
    O primeiro é relativo ao "tamanho" do subsistema econômico, em comparação com o ecossistema global finito. Uma economia sustentável deve manter seus fluxos de matéria e energia em escalas compatíveis com a capacidade global de fornecimento de serviços ecológicos, de modo a "caber" em um planeta Terra ou menos.
    O segundo é mais difícil de por na cabeça, por que implica em se importar com os outros. Significa distribuir os fluxos de matéria e energia de uma forma que respeite as necessidades de todos os seres humanos vivos (eqüidade intra-generacional), de todas as gerações presentes e futuras (eqüidade inter-generacional) e de todas as formas de vida (eqüidade inter-espécies).
    É de suma importância, nesse segundo ponto, perceber que não se trata de "vermelhismos ao luar" (por favor, leiam "Capitalism as if the world matters") ou de "abraçação de árvore". A eqüidade intra-generacional é até uma questão de segurança, pois quem tem comida na mesa e um teto sobre a cabeça não sente tanta vontade assim de se explodir em nome de Alah, por exemplo. A inter-generacional é a própria definição de sustentabilidade, é permitir que nossos descendentes recebam uma Terra pelo menos tão inteira quanto a gente encontrou ao chegar. E a inter-espécies é uma precaução, por que nós NUNCA sabemos qual é a espécie de inseto ou de alga que vai ferrar com toda enorme teia alimentar que sustenta a humanidade se nós fizermos o desfavor de extingüi-la.
    Por que é verdade. Você nunca sabe qual é a alga da qual se alimenta o krill, que alimenta toda a cadeia marinha do Ártico, cujos peixes, por sua vez, sustentam uma porrada de outras espécies vivas. No fim das contas, extingüir a alga errada pode acabar com toda a produção marinha de alimentos. Do mesmo modo, extingüir o inseto errado pode acabar com a polinização de dezenas de culturas agrícolas. Se você não acredita no direito das outras espécies vivas de existirem felizes e em paz nesse mundo, pelo menos se manque que todas elas são necessárias para você poder estar aqui.
    A propósito, sabia que a Amazônia não é o pulmão do mundo? Ela é o ar-condicionado da América do Sul e talvez até do planeta todo, mas não o pulmão. Ar condicionado da América do Sul, por que TODO o nosso regime de chuvas na parte mais continental e menos marítima do território depende em maior ou menor grau do transporte de vapor d'água por evapotranspiração das árvores da floresta. Ou seja: desmate a Amazônia acima de um certo limite e o Centro-Oeste seca de uma forma saariana, por exemplo. Engraçado que muito canalha que desacredita os diversos movimentos ambientalistas está investindo justamente em cenários desse tipo (um caso é a Monsanto desenvolvendo sementes à prova de sêca).
    E o golpe de misericórdia. Sabem quem é o pulmão do mundo? Ganha mais um pirulito do tio e uma estrelinha no caderno quem respondeu O FITOPLÂNCTON OCEÂNICO. É isso mesmo que vocês leram, quem produz todo o oxigênio que respiramos, via excesso de fotossíntese em relação à própria respiração, são as micro algas do oceano.
    Finalmente, expliquemos a eficiência alocativa. Uma vez que se tenha determinado o tamanho correto da economia (Ciências Ambientais + Oikonomia) e distribuído de forma correta e justa os fluxos de matéria e energia através de nosso sistema econômico e do ecossistema global finito, só então é que se trabalhará no sentido de distribuir esses fluxos de matéria (recursos e rejeitos) e energia (insumos energéticos e rejeitos) de modo a maximizar a quantidade de bens e serviços que podemos obter a partir deles.
    Só a partir daí é que entram a eficiência energética, a eficiência material, a eficiência na cadeia de suprimentos, a desmaterialização (que tem limites, pois só é possível falar em valor econômico a partir do momento em que este é afixado a um substrato material e/ou energético - papel para notas, metal para moedas, eletricidade para manter os registros eletrônicos de créditos e débitos, etc, etc, etc.) e tudo o mais. Não antes. Nada de colocar tudo isso a serviço de um "crescimento econômico" quantitativo, que já de a muito que se tornou crescimento deseconômico.
    Isso por que de a muito que a desutilidade marginal da produção econômica - ou seja, todos os problemas sociais, ambientais e etcterais resultantes da produção da última unidade de PIB global - já supera pantagruelicamente sua utilidade marginal - os benefícios "econômicos" resultantes dessa última unidade. Resumindo: já estamos produzindo mais problemas que soluções, e crescer quantitativamente só fará piorar isso.
    A quantidade de poluição e devastação ambiental, social e humana necessárias para produzir mais dólares está custando mais caro que os bens e serviços "compráveis" com esses dólares.
    Bom, por hoje é só, pessoal.
    Daqui mais quinze dias (ou dezesseis ou dezessete, sei lá, desculpem...) eu faço uma revisão rápida do que vimos até aqui e passo mais dois ou três conceitos e pontos para discussão e meditação.
    Forte abraço!

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