26 de junho de 2009

Liberdade de expressão

Senhores, boa madrugada.

Como informei no post anterior, agora publico aos sábados ou domingos (madrugada de sexta para sábado também serve).
O tema de hoje é de especial interesse para mim, por que me afeta diretamente. E acredito que é de interesse para todos os irmãos da ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana, mas na internet quem é do mundo gosta de nos identificar através da sigla, como se fossemos uma organização paramilitar ou sei lá eu o que). Antes, um esclarecimento. Não sou sacerdote. Sou um leigo, apenas e tão somente um fiel leigo. Mas como todo fiel, sou parte da Igreja, como irmão em Cristo e portanto parte do Corpo Místico de Cristo que é a Santa Madre Igreja.
Escrevo hoje sobre liberdade de expressão, e temo pelo dia em que sentirei a necessidade de escrever sobre liberdade de pensamento. Por que liberdade de expressão, em qualquer lugar e por mais que queiram dizer o contrário, é igual a onça pintada, sogra e software livre. Todo mundo é a favor, mas ninguém quer na própria casa. Sim, por que todo mundo é a favor da liberdade de expressão, até a hora em que o primeiro católico resolve abrir a boca ou clicar em "Responder"/"Postar"/"Publicar"/etc. Não é complexo de perseguição, são fatos. No momento em que a pessoa se declara cristã, metade do público já prepara as foices e as tochas. E assim que o infeliz se declara católico, então, o resto do público acende a fogueira e prepara o molho vinagrete. Se é na rede, já pega fama de troll e/ou é trollado, se é no mundo real, quem não tacha de beato falando na cara tacha pelas costas. E quem mais advoga pela liberdade de expressão é justamente o primeiro a amolar as facas e juntar a lenha, diga-se de passagem.
Exemplo típico: debates sobre células-tronco. Todo mundo pode falar o que bem entender, com ou sem embasamento científico, falando ou não em implicações éticas, sendo contra ou a favor da clonagem de seres humanos, favorável ou contrário à criação de quimeras/híbridos dos mais variados tipos, até o momento em que o primeiro católico abre a boca pra falar contra o uso de células-tronco embrionárias. Pode experimentar, não falha. A primeira reação sempre é de "Calem a boca deste obscurantista!". Ninguém pergunta, ninguém lê o resto da postagem ou permite que o indivíduo conclua sua argumentação em prol do uso de células-tronco adultas ou induzidas, nada. É de "Cala a boca, seu ignorante abjeto!" pra baixo. E o mais chato é que, embora os laboratórios farmacêuticos e os acadêmicos famintos por verbas de pesquisa neguem até a morte, todos os tratamentos efetivos desenvolvidos até hoje foram desenvolvidos a partir de células-tronco adultas, nunca a partir das embrionárias, que só Deus sabe como é que se manda que virem células do tecido certo pra cada ocasião (literalmente...).
Aliás, alguém aí de fora da ICAR sabe por que é que no Brasil o "prazo de validade" de embriões congelados é declarado como sendo de 3 anos? Por que na época da declaração era essa a idade média de uma fatiazinha bacana dos estoques, disponibilizando assim material a vontade para os primeiros estudos laboratoriais com verbas ($$$ é a palavra mágica, nesses assuntos), e por que era o máximo que se tinha noticiado à época, no Brasil, de idade de um embrião implantado que depois virou bebê. Só que lá fora as idades foram ajustadas para 8 anos, 10 anos e depois agasalharam de vez que não tem, por que há notícias e mais notícias na rede para quem googlear 13 year frozen embryo. Juro! Um embrião congelado por 13 aninhos foi implantado e a criança (se não me falha a memória britânica) tá feliz e saltitante por aí. Isso fora os casos de embriões de 8, 10 e 12 anos, mas vamos logo botar o pau da barraca em órbita. A verdade é que não tem esse prazo de validade, pessoal. Um embrião é vida até a hora em que alguém faz com que deixe de ser, não importa o quanto o mundo esperneie (e lá vem mais pedra do mundo, mas eu quero é mais).
E quando o infeliz resolve advogar pelos valores da temperança e da castidade, então? Aí é gente virando as costas e saindo, inclusive perdendo a amizade, no mundo real, e ameaça de kick/ban no mundo virtual. Aliás, não me espanto nada se meu blog for "denunciado" depois dessa postagem. Fora a sanha com que todo mundo passa a procurar uma brecha para tacar pedrada na pessoa. Não foi a toa que o Filho do Homem, no sermão das bem-aventuranças, deixou-nos esta mensagem tremenda: "Bem aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós.".
Nada mais real, nada mais verdadeiro. A cada vez que um de nós ousa lembrar de que viemos para ser luz do mundo e sal da terra e tenta agir de acordo, as patadas e pedradas voam de todos os lados. Daí que eu digo que eu quero é mais. Por que vá falar alguém, hoje, em disciplina, a ver se não o tacham de retrógrado e metido a milico.  Vá falar alguém, hoje, em temperança, sem que lhe pespeguem epítetos tão desdourantes quanto santarrão, se não mais. Vá falar alguém hoje em castidade, a ver se não lhe atulham a caixa postal com preservativos, como já planejaram fazer a Sua Santidade, o Papa. Vá alguém postar um texto referente a qualquer destes valores em um fórum, a ver se não recebe no mínimo uma MP do administrador. Vá alguém escrever sobre isso em um blog, a ver se não lhe entopem a caixa de comentários com gentilezas do tipo "crente idiota", "virgenzinho estúpido" ou "hipócrita defensor de pedófilos". Enfins, a coisa mais gentil que alguém pode ouvir é algo do tipo "Nossa, como fulano ostenta essa tal dessa fé!".
Pois que seja, é meu dever "ostentá-la", por que "Vós sois o sal da terra. Se o sal perde o sabor, com que lhe será restituído o sabor? Para nada mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre uma montanha nem se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire, mas sim para colocá-la sobre o candeeiro, a fim de que brilhe a todos os que estão em casa. Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus.". Então digam o que quiserem, por que aos olhos do mundo eu tenho é obrigação de "ostentar", mesmo. E que venham as pedradas, por que eu quero é mais!
Na sequência, a coisa mais óbvia é começarem com as mistificações do gênero "a igreja é uma força obscurantista que sempre lutou contra o progresso da ciência" e "os católicos são um baluarte do atraso, da truculência e da hipocrisia, como bem atesta A INQUISIÇÃO" ou ainda "é muito bonito falar tudo isso enquanto os padres comem criancinhas".
E dá-lhe o cidadão ter que se defender e defender à Igreja contra as mesmas acusações distorcidas, infundadas ou mal formuladas, vez após vez, principalmente por que para muitos dos que as lançam ao nosso rosto não importa o que respondemos, pois o fazem de forma retórica como guardiões das verdades históricas e da razão. O caso mais clássico é ouvir falar, vez após vez, que a Igreja quase queimou Galileu por causa de seus escritos científicos heliocêntricos. Primeiro: não foi por causa disso que Galileu foi chamado por um Tribunal do Santo Ofício, mas por uma questão de desobediência e de emissão de opiniões incorretas em questões de Doutrina.
O Papa Urbano VIII tinha aconselhado pessoalmente a Galileu (católico fervoroso, diga-se de passagem) que escrevesse seu "Diálogo sobre os dois grandes sistemas do mundo" como uma apresentação imparcial das hipóteses geocêntrica e heliocêntrica, para que a igreja tivesse tempo de apresentar aos fiéis uma argumentação filosófica e disciplinar (não dogmática, pois os dogmas são inalteráveis, nem doutrinária, por que não era o caso) adequada às conclusões astronômicas e sem prejuízos à compreensão das Escrituras por parte dos fiéis. Como os responsáveis pela avaliação do livro não tinham suficiente conhecimento astronômico para a empreitada de julgar esse material, como Galileu acabou por privilegiar totalmente o sistema heliocêntrico de forma parcial (ao contrário da recomendação papal, que era de apresentar inicialmente o heliocentrismo como um dispositivo matemático para melhor explicação dos fenômenos astronômicos) e como um dos personagens do livro de Galileu apresentou os argumentos geocêntricos de forma caricata e Urbano VIII se reconheceu na caricatura, acabou que o astrônomo foi convidado a dar explicações.
Outro clássico é se deparar com o conceito (pré-conceito, na verdade) de que a Igreja diz que sexo só se faz com fins de reprodução: mas você faz tudo o que a Igreja manda? Não faz sexo fora do casamento, não se masturba, não usa preservativo, não isso, não aquilo, não aquilo outro...? Nada mais falso, senhoras e senhores. O sexo em si mesmo não é mau, mau é o mau uso que se faz dele. Segue abaixo um texto que postei em um fórum do mundo, a respeito do assunto:
"O que acontece é que, ao contrário do que o mundo fala, sexo une as pessoas. Daí a importância de não se fazer fora de um relacionamento conjugal.Você certamente já deve ter ouvido falar de pelo menos um(a) amigo(a) que tenha um relacionamento horroroso com outra pessoa, da qual não consegue se desvencilhar por que "o sexo entre nós é incrível", não?

Vem disso, do fato de que o ato sexual é um momento de intimidade tão grande e tão absoluta que forçosamente deixa uma marca, um elo, entre as pessoas que o praticam. Por mais mínimo que seja, mas deixa. E o sexo foi feito assim justamente (entre outras coisas) por esse motivo, para que o casal que escolheu unir suas vidas tenha mais e mais motivos para permanecer mais e mais unido. Por que o sexo em si mesmo é bom, mau é o mau uso que se faz dele. De resto, assim como qualquer outra parte da criação, diga-se de passagem. Fazer sexo só por fazer sexo é tão incompleto e inadequado quanto comer por gulodice. Alguém que sai transando só pelo prazer é como um gordinho que se entope de chocolate só por que é gostoso. Da mesma forma, o sexo dentro de um casamento feliz é um momento abençoado de felicidade e completude, da mesma forma que uma refeição em família, em uma mesa cercada de parentes e amigos que conversam e riem felizes por estar contigo, é um momento de felicidade e união."

Simples, mas quem não crê, e principalmente quem não quer crer vai achar dificilímo de entender ou mesmo verdadeiramente insano/ininteligível. Em verdade, estreita é a porta e árduo o caminho para a salvação, e a sabedoria de Deus é loucura aos olhos dos homens! Mas antes que alguém venha me chamar de santo ou beato, já informo que cometi muitos erros ao longo da vida e os cometo até hoje. Sou humano, ora, pílulas! O que nos diferencia enquanto católicos é que nós nos sabemos peregrinos nesta terra e, apesar das constantes quedas, nos esforçamos para nos manter em pé e caminhando rumo à Jerusalém Celeste. Minha vontade ainda não se conformou totalmente à do Pai Eterno, mas sempre que eu me lembro eu peço que o Altíssimo torne meu coração mais conforme ao Seu. Justamente por isso, também, é que temos o sacramento da Reconciliação (a.k.a. Confissão e penitência).

Outra atitude, menos comum e mais "gentil", é uma espécie de condescendência intelectual, essa já mais característica dos ateus, muitos dos quais acham que somos "coitadinhos" necessitados de "esclarecimento". Já me perguntaram se eu corri de volta para a fé por causa de algum perrengue na vida. Como se a Fé fosse um escapismo, característico de pessoas fracas e incapazes de enfrentar a realidade de forma racional. Não, senhoras e senhores, não é escapismo compreender que há uma Causa Primeira para o Universo e que essa Causa Primeira é um Deus pessoal e que nos ama. Convido quem estiver disposto a uma senhora aventura intelectual a ler a Summa Theologica de Tomás de Aquino (aviso, está em inglês): http://www.newadvent.org/summa/. Vai levar um tempão, pois são 4 longos livros, eu mesmo ainda estou no começo. Mas realmente vale a pena para quem quer entender melhor como pensa a ICAR. Também recomendo, nesse sentido, o Catecismo da Igreja Católica (em português de Portugal, e ainda preciso ler inteiro e com calma - até agora só tinha lido o Compêndio, que é uma versão abreviada sob a forma de perguntas e respostas): http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/prima-pagina-cic_po.html.

Também não posso esquecer dos relativistas espirituais, que acreditam que toda forma de religiosidade é positiva e nos acusam de "querer monopólio". Aí vai um debate individual com cada um, que não caberia aqui (o post já está gigante até na minha opinião). Mas cabe mais uma digressão, para aqueles que dizem que toda e qualquer religião institucionalizada é apenas um clubinho onde se reunem pessoas geográfica e/ou consangüineamente próximas. Para estes, deixo meu testemunho pessoal de único católico fervoroso da família e as conversões que presenciei tanto pessoalmente (no grupo de catequese para jovens e adultos de minha paróquia, que convenci minha esposa a freqüentar antes de nos casarmos na Igreja) quanto à distância (testemunhos e reportagens no periódico católico This Rock, da Catholic Answers - http://www.catholic.com/magazines/thisrock.asp), bem como a sugestão de pesquisar sobre movimentos missionários e congregações como a dos Vicentinos e a dos Jesuítas.

Finalmente, a velha história de falar de padres pedófilos como última barreira para nos mandar calar a boca. Cabe informar que, segundo me consta, um procedimento comum da Igreja é transferir os acusados de pedofilia para regiões distantes do local da acusação, com os seguintes objetivos:

1) Impedir que o sacerdote em questão possa interferir no rumo das investigações, seja por intimidação ou por qualquer outro meio;
2) Em caso de culpa real, cumprir o duplo propósito de livrar as vítimas da ação deste culpado e dar ao mesmo ocasião e tempo de fazer penitência em lugar mais retirado; e
3) Em caso de inocência, se necessário for para a segurança do acusado, livrá-lo das mãos de seus falsos acusadores.
Nada de acobertar culpados, não é mesmo? Mas quem é que diz que isso aparece na imprensa? As punições eclesiásticas não vêm a lume não por que não ocorram, mas por que não é do interesse da imprensa dizer que ocorreram. Desmentidos não vendem jornais e punição eclesiástica de padres é algo que só interessa à Igreja, não aos demais leitores, ouvintes e telespectadores. E tantas e tantas outras coisas que eu poderia escrever aqui, em um post gigante até para os meus próprios padrões. Mas acabei entrando em uma bela digressão e é melhor voltar ao ponto principal, que é: liberdade de expressão só existe enquanto você não ofende os ouvidos do mundo com a Palavra da Vida e com a sã doutrina da Fé.
Um último exemplo, com o qual encerro meu caso, é essa nova legislação "anti-homofóbica", que criminaliza toda e qualquer crítica pública ao "estilo de vida homossexual", como se os irmãos afligidos por atração pelo mesmo sexo fossem uma "minoria necessitada de defesa de seus direitos como cidadãos" e qualquer um que dissesse o contrário fosse um criminoso da pior espécie, da mesma laia de quem abusa de menores ou de quem espanca mulheres. Pois não são essa minoria a ser defendida, não. São pessoas que padecem de uma moléstia espiritual gravíssima e necessitam de preces e orientação. Quem quiser me apedrejar, fique a vontade, pois assim fizeram vossos pais aos profetas, que Ele enviou antes de enviar os santos apóstolos e de nos mandar a todos que evangelizemos.
Pois afastar-se do projeto original do Criador é a própria definição de pecado, que por sua vez é a verdadeira moléstia da alma, que adoece ao escolher um bem terreno aparente ao invés do Bem Supremo que é Deus, quando se afasta de Sua Vontade. E o projeto original do Criador para o sexo é que este seja vivido dentro do casamento. No entanto, vá alguém dizer isso sem ser chamado de "medieval", "homofóbico", "preconceituoso", "intolerante" ou coisa que o valha.
Aliás, o conceito de tolerância é outra história que renderia uma postagem inteira. Só deixo aqui o resumo da ópera: ame a pessoa humana do pecador, sim, mas não ame o pecado que ela comete. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Amor ao próximo, sim, "tolerância"/CONDESCENDÊNCIA para com as falhas do próximo, não.
Aqui fica mais um ponto: união civil para estes irmãos, sim. Afinal de contas, o Estado é laico. Mas casamento, NÃO. Casamento é o sacramento do matrimônio, então não tem conversa. Contrato de união civil pode ser celebrado até entre uma alface e uma lapiseira, mas Casamento é entre um homem e uma mulher católicos. Por que não orna querer "casar na igreja" sem ser católico. É o mesmo que querer fazer um Bar-Mitzva sem ser judeu, peregrinar para Meca sem ser muçulmano ou se banhar no Ganges para fins de purificação espiritual sem ser hinduísta.

E com essa última observação eu me retiro e aguardo os garfos de feno, as tochas e os urros da multidão enfurecida.

2 comentários:

Anônimo disse...

É um texto enorme e agora eu nem sei mais sobre o que falar!

Liberdade de expressão para todos, seja a favor ou contra alguma coisa, é bem complicado de conseguir. Por que...

Manda quem pode, o resto que se sacode.

É um ótimo texto para esclarecer os olhares de muitos sobre como funciona a cabeça dos católicos. Parabéns.

Seu Zé Nando disse...

Lai:

Em primeiro lugar, que bom que você gostou do texto. Espero que te inspire a procurar saber mais sobre o catolicismo.

Mas preciso avisar que eu não sou o que se poderia chamar de um católico "médio". Não é exatamente comum correr atrás de aprender Apologética (teoria e prática de explanação e defesa sistematizada da Fé), esse tipo de interesse é mais para sacerdotes e para fiéis "hardcore".

Posso ser usado, no máximo, como exemplo de funcionamento da cabeça de um católico que tenha tomado a pulso o dever de estudar e aprender sua fé, estudo e aprendizado esse que é um dever nosso do qual muitos de nós descuram e a respeito do qual muitos mais seguem a vida totalmente desavisados.

De resto, estou aqui na rede para repassar o pouco que aprendo e trocar idéias com o máximo possível de gente.

Forte abraço!