13 de outubro de 2009

Depois de um longo e tenebroso feriado...

Eis que retorno a este arremedo de blog.

São 3:12h da madruga e estou passando por uma noite de rei, graças à ressaca do churrasco de sábado: passei o domingo visitando o trono regularmente e agora nessa madrugada a coisa se acentuou. Espero que esse surto final limpe meu tubo digestivo do resto do meu envenenamento por Heineken (cervejinha de %erda...).

De qualquer modo, hoje vou escrever sobre uma coisa que eu odeio com todas as fibras d'alma: novela. Aqueles enredos manjados recheados de interpretações histriônicas e ataques sistemáticos à moral e aos bons costumes.

Sim, ataques sistemáticos à moral e aos bons costumes. Toda novela, não importa qual seja a emissora ou até mesmo o país de origem, tem sempre pelo menos um matrimônio dito "disfuncional" para o qual a "solução" apresentada é um adultério ou dois, seguido ou não de divórcio. Detalhe: todos os casos em que ocorre apenas um adultério demonizam o cônjuge traído e apresentam-no como "culpado" e "merecedor da galha", enquanto apresentam o cônjuge traíra como "vítima", "herói/heroína" e "muito digno por buscar sua felicidade".

Fora isso, amor=sexo é uma equação totalmente em alta no meio novelístico. Essa história de se preservar/guardar para o casamento sequer é cogitado. Todos os namoros novelísticos são fartamente regados a sexo, para personagens a partir dos 18 (e sabe Deus até quando vai essa restrição de idade, vai que Polansky finalmente faz escola por aqui).

Aliás, religião em novela é um caso a parte. Em nome da tolerância, do multiculturalismo e da "civilidade", todos os sistemas de crenças são eventualmente retratados nos personagens da teledramaturgia, sempre com muito respeito. EXCETO OS CATÓLICOS. Todo católico é retrógrado, hipócrita, fanático, obscurantista, mentiroso, fraco ou estúpido, isso quando não é um caso de "junta" (junta tudo e joga fora). Todo padre de novela tem amante(s), larga a batina ou serve ao dinheiro ao invés de servir a Deus.

Completando o febeapa (para quem não conhece Stanislau Ponte Preta: FEstival de BEsteira que Assola o PAís) televisivo, de uns tempos para cá é difícil eu ter notícia de uma telenovela que não tenha um núcleo sodomita. Quando não é um par de pederastas é um par de sáficas, e o grande burburinho da mídia fica sobre "essa censura moralista e hipócrita que não permite beijo gay em novela". Que bom que pelo menos esse limite ainda resiste, ora pílulas!

Enfins, agora que tratei dos problemas mais graves, vamos à posta restante. Digamos que você leitor não creia, e ache que tudo o que digitei até o momento foi apenas um arroto medieval em plena era dos terabites. Pois vou mostrar que mesmo você deve largar mão de assistir novela e ler algo no lugar, nem que seja Paulo Coelho (outra droga, mas desse eu falo em outra postagem).

Começa que roteiro de novela nunca é um roteiro só. Até aí tudo bem, subtramas e tramas paralelas são um ingrediente importante em boas obras de ficção, enriquecendo o texto final e auxiliando no desenvolvimento mais rico da trama principal. Mas isso só é válido para boas tramas principais auxiliadas por tramas paralelas e subtramas de qualidade no mínimo mediana. Caso contrário, teremos apenas mais lixo pelo seu tempo investido.

O problema básico do formato telenovela é a correlação entre tempo ficcional e tempo real, que é mantida constante em "1c:1d" (um capítulo de novela retrata um dia de tempo real), à exceção dos flash-backs e flash-forwards. Uma vez que se retratam 24 horas de roteiro em um condensado de 1 hora com intervalos comerciais, não é possível apresentar tramas acima de um determinado nível de complexidade por limitação de tempo. E se você adiciona a essa limitação natural a necessidade de dividir o tempo de cada capítulo em núcleos ou tramas auxiliares, tramas paralelas e subtramas, aí é que o nível de complexidade permitido para cada trama ou subtrama individual vai para o chão de uma vez e, com isso, temos garantia de mais lixo por nosso tempo investido em assistir.

A consequência inevitável é a padronização dos roteiros, tratada magistralmente no post http://blog.desfavor.com/2009/09/desfavor-explica-novelas-da-globo.html, do blog Desfavor. Seus redatores expuseram fartamente todos os furos mais clássicos de roteiro das produções da Vênus Platinada e, se as melhores são assim, o resto então nem se fala. Mas vale a pena jogar sal em algumas das feridas apontadas, para ver os noveleiros deste meu Brasil varonil esperneando.

Começa que é mesmo inegável que novela é feita para anestesiar os socialmente desfavorecidos, para empurrar goela abaixo do povão que ser pobre é uma delícia e ser rico deve ser mesmo um calvário. Todo rico é mostrado como mau e antipático, à exceção da mocinha que é quase sempre albina, anoréxica e herdeira inocente de uma fortuna sangrenta.

Falando em mocinha, essa parte do par romântico é uma história à parte. Os desentendimentos padrão e as idas e voltas do costume antes que esse par se case, sempre no último capítulo da trama, são a parte mais bur(R)ocrática do roteiro. É sempre uma combinação linear de alguém com interesse romântico em um dos dois, intriga de falsos amigos, implicância da família e problemas com desnível social. A única novidade de que tive notícia na área foi colocarem mocinhas enfrentando doenças.

Outra coisa é que todo personagem de novela é personagem plano (protagonistas e coadjuvantes importantes) ou tipo (todo o resto). Resultado óbvio da correlação 1 para 1 apontada acima, pois se os segmentos de enredo devem ser simplificados ao máximo igualmente simplificados devem ser os personagens. Com isso, temos a inflação sistemática de vilões demoníacos, heróis a la Superman e personagens estereotipados de todos os matizes.

Evidentemente todos escolhidos a dedo para que a patuléia ensandecida continue acreditando piamente que sua vidinha medíocre é maravilhosa, não há por que querer progredir e inclusive isso de querer melhorar de vida é coisa de vilão, por que afinal de contas ambição é um defeito horroroso e uma vaidade sem tamanho: "Onde já se viu, alguém estar insatisfeito com a própria vida e querer ter e ser mais?", é o que dizem reiteradamente de forma direta todos os personagens ambiciosos de núcleos pobres de forma direta (e de modo indireto e um pouco menos ostensivo todos os demais).

Senhores, um momento de raciocínio, por favor, obrigado. Evidente que não estou aqui fazendo apologia ao pecado de Lúcifer (que caiu por orgulho), mas demonizar uma personagem automaticamente pelo simples motivo de que esta declara desejar uma vida melhor para si é de um despautério a toda prova. Existe orgulho besta, que bota as pessoas em volta do "orgulhoso" para baixo na base do pisão e da humilhação, e existe a vontade de progredir. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Vontade de progredir TODO MUNDO TEM QUE TER.

Continua que a simplificação extrema dos roteiros exigida pelo emparelhamento do tempo de novela com o tempo real obriga cada capítulo a ser um primor de tédio e chatice, pois tramas simples geram capítulos simples e repetitivos. É a famosa sensação de que, após as duas primeiras semanas decorando os nomes e funções de todo mundo no folhetim acompanhado, basta assistir a um capítulo por semana que já está de mau tamanho, por que é sempre a mesma coisa todo santo dia.

E termina que o fim de cada personagem é sempre de uma previsibilidade rançosa. Mocinhos felizes, mocinhas casadas e com filhos, vilões derrotados ao final, pobres fazendo festa, ricos se redimindo de sua riqueza, pares homossexuais "reconhecidos pela sociedade e vivendo felizes seu casamento" e assim por diante, ad infinitum et ad vomitorium. E como todos os personagens terminam sempre do mesmo modo, todos os capítulos finais são idênticos, por definição matemática. O que torna particularmente deprimente o comportamento de quem se altera em função de um último capítulo de novela que, diga-se de passagem, TEM REPRISE NO SÁBADO PARA QUEM PERDER NA SEXTA, então não é verdade sequer que último capítulo só tem uma vez, como uns e outros ainda tentam alegar.

Antes que alguém me acuse de hipocrisia, por acreditar que é preciso assistir para saber de tudo isso, digo que assisti novela até Celebridade, mas é como se eu assistisse até hoje. Os motivos são dolorosa e constrangedoramente simples:

1) Os roteiros "telegráficos" fazem com que basta você assistir à chamada da novela nos intervalos comerciais da programação normal para que você efetivamente acompanhe o desenvolvimento da trama. Se o seu QI for de 100 pontos (normal), não é preciso assistir mais que as chamadas ao longo dos intervalos comerciais.

2) Há toda uma imprensa especializada capitalizando no público fiel desse segmento da produção televisiva, e essas publicações ocupam um espaço significativo nas bancas de jornal, o que torna impossível comprar jornais e revistas de outros assuntos sem esbarrar com os olhos em manchetes que atualizam os poucos que conseguem escapar às vinhetas.

3) Quem assiste novela não consegue conversar por mais que 5 minutos sem mencionar seu vício e obrigar seu interlocutor a acompanhar suas opiniões sobre o que está acontecendo com tal e tal personagem (geralmente alguém do par romântico, um vilão ou um alívio cômico - este último um tipo ainda mais insosso e estereotipado que a média, caracterizado por um "bordão" ou cacoete que a patuléia sempre achará hilário e fará questão de reproduzir para teu desprazer estético e intelectual como se aquilo fosse o fino da bossa).

E como apontaram com precisão cirúrgica no blog que mencionei ao final da lista de deméritos morais da teledramaturgia nacional, ai de quem ousa se erguer contra esse instrumento de emburrecimento em massa, contra esse genocídio de neurônios que é a novela de televisão. Por que falar mal de novela é de um elitismo imperdoável, infinitamente mais esnobe que não ler Paulo Coelho ou não ouvir música "popular" (pagodinho de plástico - um fanho cantando e 6 epilépticos surtados fazendo dancinha tosca no fundo do palco -, axé, funk carioca, porno-forró ou sertanojo/breganejo). Fenômeno típico de republiqueta de banana movida a pão e circo (aliás a muito mais circo que pão), onde a mídia trabalha junto com os donos do dinheiro para destruir sistematicamente o discernimento dos extratos mais baixos da sociedade.

O que arrebenta com uma republiqueta de banana no longo prazo é o fato de que essa destruição da capacidade de discernimento do povo destrói a produtividade da força de trabalho nacional, inviabiliza o funcionamento das instituições e oblitera a produção cultural do país, pois um povo que não pensa não tem senso estético para produzir arte, não raciocina para manter o funcionamento das instituições (a bem da verdade sequer as compreende, quanto mais lhes compreende a necessidade e o como mantê-las) e não tem mais competência sequer para apertar botões e operar maquinário. As telenovelas ajudam sobejamente nesse processo de emburrecimento, ao atacar as fundações morais do povo e dopá-lo (Marx só disse que a religião é o ópio do povo por que não tinha telenovela na época dele...).

Uma associação óbvia é sexo&drogas (só faltou o rock&roll?): a novela anestesia o povão geral e ainda incentiva a fazer filhos! Já repararam como cada nascimento em novela é super-hiper-mega-master-blaster festejado? Como cada nova mamãe é um ser tão mais feliz e realizado que as personagens femininas que abrem mão da maternidade para ter uma carreira ou tomam qualquer outra decisão igualmente razoável que as leve a não procriarem como coelhas no cio? E ninguém fala em controle de natalidade (o método Higgins de acompanhamento do muco cervical funciona sim, confiram junto à WHO - World Health Organization ou Organização Mundial da Saúde, da ONU - ou chequem este link, mais fácil: http://vida.aaldeia.net/metodo-muco-cervical-billings/), ou em como o mundo de hoje está mau e perigoso para quem quer ter um filho e criá-lo com um mínimo que seja de correção moral.

Claro que falar mal de droga para um drogado é pedir para apanhar, daí a reação explosiva e apaixonada de todo noveleiro quando lhe apontamos o ridículo daquilo que assiste. O que é garantia de "silêncio olímpico" da maioria dos meus eventuais leitores (os poucos tarados que superarem as barreiras psicológicas impostas pela extensão textual e vocabular de minhas arengas - bem como por seu pedantismo) e esperança de resposta de algum fã mais exaltado de folhetim.

Despeço-me para voltar ao troninho pela quarta vez ao longo de minha insônia e aguardo os garfos de feno, as tochas e os uivos da multidão enfurecida. Forte abraço!

2 comentários:

Pedro Gallo disse...

Fala Nando!
Algumas considerações sobre o que você disse:
Heineken é uma boa cerveja sim! Só a da Holanda, não a do interior de São Paulo, que realmente é uma droga. É só você tomar a de barril que você vai ver a diferença.
Ninguém consegue ser só intelecto o tempo todo! Não dá pra você exigir que as pessoas cheguem de casa e assistam a algo educativo ou minimamente intelectualizado! às vezes queremos só não ter que pensar, e novalas são ótimas nesse quesito. Eu não gosto delas, mas assisto a outros programas, como "Scrubs" na Sony. E realmente ler é uma boa alternativa, mas também pode ser cansativo e o hábito de leitura é bem escasso em nosso país.
Outra coisa da qual eu discordo é você dizer que a novela é culpada pela população não pensar, nem ter competência para trabalhar. Esse tipo de coisa se aprende com os pais e na escola, e se esses não estão preparados para educar os jovens de nosso país, já é outra coisa. Eu por exemplo assisti a novelas durante toda minha infância(meu passado me condena) e isso não teve nenhum impacto na minha capacidade intelectual, acredito eu.

Faço um apelo pra que você perceba que as pessoas precisam de uma válvula de escape, de um momento sem pensar, pra poderem se sentir bem e calmas. E também para que você seja mais sucinto, porque o comprimento de seus textos é realmente desencorajado(ou talvez seja frescura minha).

E sim, ainda vou prestar jornalismo.
Abraço!

Pedro Gallo disse...

Ah, esqueci de dizer que embora você diga que as novelas incitam a natalidade, nossas taxas só vêm caindo nos últimos anos. Não é só a TV que educa, e a população tem sim ideia do drama e do custo que é ter um filho, não subestime tanto o "povão".