25 de outubro de 2009

Teatro infantil

Senhores, boa tarde.

Por que cargas d'água existe tanta peça infantil feita "para crianças"?

Antes de mais nada, atenção para as aspas. Por que uma coisa é fazer para crianças por que elas são o público, ou seja, usar abordagens adequadas e selecionar temas apropriados a essa faixa etária. Outra é fazer "para crianças", tratando o público infantil como se fossem todos sócios-atletas da APAE (ou como se de lá saíssem os envolvidos nestas produções).

Exemplo clássico: uma coisa é interagir com o público em um ou dois momentos da peça com o intuito de trabalhar as habilidades sociais da petizada, outra é gastar mais da metade do tempo naquela geração sistemática de vergonha alheia que é ficar "Ah, mas para onde foi Fulano? Para cá?" (isso quando Fulano foi para o outro lado e a molecada se esgoela de apontar, para o ator que "não entende").

Roteiros infantis são mesmo um caso a parte. Desconfie de quem relê um clássico, por que costumam confirmar de lavada o dito segundo o qual "Pretensão e água benta, cada um toma o quanto quer". Os clássicos levam esse título por que são fórmulas consagradas pelo grande público mundial, querer melhorar em cima deles exige talento ou pretensão demais, e o segundo é muito mais comum no mercado que o primeiro.

Então vamos à parte útil do post de hoje: sinais de identificação de roubadas.

Um sinal bem claro é o tamanho/qualidade do teatro. Se a sala de apresentação é chinfrim, a peça provavelmente também é. Peças mambembes dificilmente prestam. Exceções notáveis são os espaços de apresentação das diversas unidades da rede SESC que, apesar de mais das vezes serem bastante humildes em termos físicos, costumam receber produções de boa qualidade (e isso não apenas em termos de espetáculos infantis, a rede SESC costuma ser uma boa aposta para qualquer tipo de espetáculo).

Outro sinal inequívoco é aquele panfletinho de trocentos por cento de desconto no preço da inteira. Peça que tem isso costuma ser uma roubada federal. Hoje mesmo levamos o Webister para assistir Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Atrapalhado, no Teatro Jofre Soares (R. Major Diogo 547): como Pedro diria a Bino, fujam que é cilada! A escolinha nos deu um flierzinho de 50% para a dita cuja, e nosso garoto recebeu mais um desses quando de um passeio para o Aquário de São Paulo - sintam a vontade de desovar ingressos do pessoal...

Prestem atenção igualmente no elenco. Uma proporção muito desigual de mulheres para homens pode indicar apelação para levar papais babões a arrastar suas crias a assistir presepadas. Por outro lado uma ausência completa delas pode apontar para uma produção "rosada" (o estereótipo segundo o qual ator de teatro infantil costuma ser fruta é daqueles que nos lembram o dito "Onde há fumaça, há fogo"). E quando um único nome "estelar" consta de uma coleção de ilustres desconhecidos, aí é garantia indiscutível de batatada, podem escrever. Por que a direção torra o grosso dos lucros no salário da estrela para alavancar a bilheteria do que, de outro modo, seria fracasso na certa. Claro que quando o estrelo é um bonitão de novela também existe o efeito mamãe-babona (a exemplo de produções com gatas demais no elenco).

Aliás, estranho como é difícil uma atriz infantil não ser no mínimo "passável" ("Raimunda", mesmo). Serááá que rola teste do sofá, minha gente? Serááááá??? Por que além de 98% pelo menos darem um caldo, a imensa maioria é de um histrionismo e de uma canastrice que são fonte segura de vergonha alheia em escala industrial. Os atores ainda são mais ou menos suportáveis em ação, mas as atrizes são para fazer a gente querer descrer do futuro da humanidade.

Trilha sonora é outro sinal, mas esse só costuma aparecer quando já é tarde demais. CD da Xuxa ou congênere no sistema de som é indicativo fácil de programa de índio. Lembrando do panfleto, a dica mãe do post de hoje: atenção para o material de divulgação da peça. Se não tiver foto do palco e o material for ilustrado com desenhinhos bonitinhos, É furada! Não há outro motivo para deixar de usar imagens da peça no material promocional senão a vontade de esconder elenco desconhecido, palco pobre, figurino pobre ou algum outro indicativo da baixa qualidade da peça.

Enfins, um pouco de pesquisa e bastante vontade de tostar um pouco mais que uma negra nota ajudam a evitar a maioria das hecatombes de proporções bíblicas, pois ingresso baratinho também é sintoma de peça besta (mais uma vez, com a louvável exceção da rede SESC/SESI). Procure os grandes teatros (que normalmente zelam por seu nome passando as produções por um crivo relativamente razoável) e as peças com fotos de cenas no material de divulgação, mas fuja das produções do tipo "programa infantil não sei das quantas no teatro".

Por que personagens da TV e do cinema NÃO funcionam no palco, isso de "desenho X", "seriado Y" ou "filme Z" "no palco" é tão tonto quanto Holliday on Ice (com o agravante de que não tem as patinadoras de roupinha colante para alegrar a marmanjada).

Completando a lista, chequem igualmente o que é que o teatro está passando ALÉM da peça infantil em questão, não é muito comum uma casa misturar espetáculos de níveis de qualidade muito distintos. Quem consegue puxar peças boas não costuma sujar o próprio nome dando guarida a pavorosidades abaixo de um certo patamar de suportabilidade (ou pelo menos é o que me diz o bom senso), enquanto que as casas que recebem certas desgracências costumam seguir a máxima segundo a qual "Uma flatulência não é nada para quem já está todo obrado".

Produções indicativas do segundo tipo de casa: comédias rasteiras/chulas (marcadamente aquelas em que as piadas são construídas a partir de um personagem gay e/ou travestido), produções "engajadas" (Marx não combina com palco...) e peças espíritas (textos da Zíbia Gasparetto inspirada pelo espírito Lúcius(fer), por exemplo, são atestados de casa tosca).

Por hoje é só, pessoal!

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